Uma leitura no capítulo 3 da Epístola de Paulo aos Gálatas.



Sempre houve dificuldades no interior da Igreja de Cristo. Ela sempre se viu envolvida com perseguições devido a mensagem do Reino de Deus e que ela é a sua portadora. E neste caso, bem como em muitos outros, quando se aprofundam e endurecem as perseguições, a tendência é que se tornem mais violentas.


     E ao se constatar que mesmo em meio às mais violentas perseguições, aqueles que são perseguidos continuam mais fortes e unidos. Então vem uma nova e mais demorada tentativa de se solapar e destruir qualquer movimento de união e unidade humana. Este segundo momento na perseguição começa a partir de um processo de constante infiltração de pessoas que se constituem como os agentes que implodem ou tentam implodir qualquer tipo de organização humana de dentro para fora.


     Se hoje existe um grande problema no seio da Igreja de Cristo, este problema pode ser identificado como falta de maturidade. A simples referência ao tempo, atribuindo que este problema é atual, na realidade, quase todas as dificuldades por que tem passado a Igreja é resultante da falta de maturidade, logo o problema se quer é atual. Ele desde sempre esteve presente na história desta instituição divina.


     A maturidade que me refiro é fruto das constantes investidas dos opositores da igreja que como afirmei, começaram essa investida de fora para dentro. Os motivos para tanta perseguição são muitos, diversificados e transmutados numa linha histórica e ascendente de tempo. Mas, em linhas gerais, eles obedecem uma certa lógica. E essa lógica é patrocinada por um poder temporal que se antepõe radicalmente a tudo que não faça parte dos seus domínios.


     A retórica de pregação da igreja começou por celebrar um nome tendo-o como seu Rei. Este nome conhecido por Jesus trouxe ao seu povo a mensagem de um Reino, já que o Deus desse povo, agora presente na vida desse Jesus(A encarnação) é o símbolo por excelência da presença agora constante desse Reino: "Arrependei-vos pois é chegado o Reino de Deus".


     Evidentemente que esse tipo de retórica jamais seria aceito por quem sempre esteve a frente e na liderança desse povo. Por outro lado, o que era um movimento pequeno e de poucas pessoas que a este movimento iam aderindo, de repente se avoluma de tal forma que não somente incomodaria as autoridades locais, bem como ao poder hegemônico e geo político representado pelo Império Romano.


     Então, e tendo como pano de fundo as considerações iniciais deste texto. Que são considerações essencialmente genéricas, eu diria que uma das grandes dificuldades da raça humana é a convivência com o seu próprio semelhante.Eu não sou muito afeito a utilização de termos como espiritualidade. Mas entendo que o maior entrave para o desenvolvimento de uma espiritualidade humana, reside na dificuldade do homem em olhar para seu próximo e semelhante não com o objetivo de subjugá-lo.


     Amar a Deus acima de qualquer coisa e amar ao próximo como a si próprio, além de ser uma síntese do que está no DECÁLOGO, é o que fundamenta também a pregação da Igreja e toda a sua retórica ao longo dos séculos. Mas é também a pedra de tropeço desta mesma igreja. E eu diria que tudo isso começou desde que aquilo que chamamos de espírito comunitário começou a ser substituído de forma paulatina e natural pelo que chamamos de processo de institucionalização. E com a institucionalização veio também a hierarquização.


     Não é leviano afirmar que este é o grande problema da raça humana. Todavia, como o nosso foco é a Igreja de Cristo, preciso me policiar para não incorrer em generalidades que interferem diretamente tanto na análise deste assunto quanto efetivamente ao sentido que se tenta emprestar ao mesmo.


     Eu parto do princípio de que o sentido das coisas tem uma peculiaridade histórica. Ou seja, algo passível de uma mensuração no tempo. Para tanto o olhar de quem se volta par o tempo e as suas nuances obedece a critérios de natureza cultural e antropológica. Aduz-se ainda, uma variedade de vozes que, num primeiro momento, poderíamos cunhar, não sei se é o termo mais apropriado para isto neste momento, de POLIFONIA.


     A começarmos pelo verso primeiro deste capítulo, a crítica do apóstolo, que por sinal, é veemente, indica a falta de sensibilidade daqueles crentes. Vocês são insensatos ANÓETOI, falta de sensibilidade decorrente da própria ignorância. Objetivamente poderia se questionar esse tom um tanto quanto sarcástico por parte do apóstolo. Mas este tipo de construção que beira a ironia, é capaz de reproduzir o sentimento de profunda decepção ante ao que estava acontecendo entre o Gálatas.


     O lamento do apóstolo reflete uma subversão de valores ante a tudo que aqueles crentes puderam experimentar a época em que Paulo esteve com eles e tudo quanto foi ministrado em favor do crescimento de suas vidas. Esses crentes após serem impactados pela ministração da palavra de Deus, a pregação do evangelho. Agora, foram seduzidos por algo menos substancial e mais representativo.


     Eles estão se deixando levar por algo ilusório que explora muito mais uma pseudo visão do que o que ouviram através do testemunho da palavra. É o que Paulo através do verso 2 questiona: "Recebestes o Espírito pelas obras da Lei, ou pela pregação da fé?" De certa forma o apóstolo está apelando, parece até irônico falar sobre isso, para a sensibilidade adormecida ou perdida dos crentes de Gálatas.


     Desde o verso 2 até o 5 o apóstolo explora dialeticamente toda esta situação. Obras da Lei em vez de pregação da fé; começa pelo Espírito e acaba pela carne; Padecimento em vão ou não; E o perigo de se subverter, por conta disso, aquela certeza de que aquele que lhes dera o Espírito é também o mesmo que opera os milagres.


     Quando afirmei categoricamente que o sentido das coisas tem uma peculiaridade histórica e reafirmo essa peculiaridade. Também quero dizer que esta peculiaridade obedece a critérios hermenêuticos. A alusão feita a Abraão e a justiça divina imputada a ele por causa de sua fé é o que faz com que cada crente da igreja da Galácia seja filho de Abrão, ou quem quer que tenha crido em Cristo.


     A referência a Gn 12;3 e o entendimento de que estas bençãos prometidas a Abraão é uma realidade e cumprimento que acontece na vida de cada não judeu(GENTIO) que em Cristo Jesus são alcançados pela graça. Mostra como essa forma de dialogação do apóstolo com a cultura e tradição religiosa de seu povo perde o ar de algo comunitário e restrito ao âmbito de uma etnia. Ela ganha características de uma mensagem de diversidade e universalismo.


     Como foi dito no parágrafo anterior. Essa conclusão tipicamente comunitária, doméstica e religiosa de Paulo, é capaz também de alcançar o mundo. E que conclusão é esta a que chega o apóstolo? Todos nós que temos crido em Cristo e o aceitamos como nosso salvador, somos bem aventurados. Fazemos parte da promessa que o Deus dos hebreus havia feito ao grande patriarca Abraão: "Em ti serão benditas todas as famílias da terra."


     Até aqui temos chegado a uma razão dialética desenvolvida por Paulo e com alguma argumentação e fundamentação histórica entre os crentes de gálatas e sua relação com a herança dos patriarcas, ainda que não pautada pelo principio legal e escriturístico. A fundamentação até aqui não conta com o aval da escritura, mas com uma hermenêutica escriturística.


     Se pensarmos que a vida deste apóstolo foi uma constante entrega a escritura e que, num determinado momento, esta vida sofre um guinada espetacular. O cenário é o caminho de Damasco adornado com uma mistura de névoa, luz e uma voz misteriosa que a ele se apresenta como Jesus.


     É evidente que as coisas não são assim tão simplórias a ponto de, ao fazermos alusão a esta guinada espetacular, imaginarmos que uma mudança tão radical de vida pudesse acontecer como que num flash de luz. Mas, a escritura exerceu papel preponderante na vida deste apóstolo. Mesmo depois de sua conversão ocorrida inicialmente a partir de seu encontro pessoal com o Cristo e no caminho que o levava a Damasco.


     O que muda no apóstolo é a sua relação com a escritura a partir de uma nova abordagem hermenêutica. E a conclusão que ele é capaz de tirar da escritura, e esta, simbolizada pela Lei, é que ela está posta numa relação bastante bipolarizada e na forma da letra. O resultado triste desta relação bipolar quando o assunto é a escritura, será somente um; CONDENAÇÃO.


     Então o apóstolo conclui que foi Cristo que se fez maldição por nós por ter assumido essa condenação da Lei. Ele sofreu todo um martírio com direito a execração pública e o seu objetivo era nos livrar de toda esta situação vexatória; "Cristo nos regatou da maldição da Lei." Para tanto ele se fez maldição por nós.


     Há uma infinidade de outras nuances, corolários desta hermenêutica paulina. E que ficaram em período de hibernação. As quais poderão ser identificadas em período tardios da história da igreja. Esta afirmação é tão real que se pegarmos alguns dos grandes teólogos e pais da igreja veremos que a fonte inspiradora de suas teologias foram as cartas do apóstolo e, uma grande epístola em especial: ROMANOS.


     Quem não permanece naquilo que está escrito se torna maldito. Isto se diz daquele que se torna consciente dos registros escriturísticos. Mas e aqueles que não chegaram ao conhecimento e reconhecimento de culpa pela forma da letra, a Lei é inimputável a este? Para o apóstolo não, e o seu argumento se sustenta na soberania divina afirmando que o agir providencial de Deus na forma da Lei constitui-se numa ferramenta que dimensiona a gravidade do delito do homem que precedeu a Lei(Romanos 5:20).


     Logo, na visão do apóstolo é somente o evangelho de Jesus Cristo e este tal qual foi anunciado aos Gálatas(gentios) que deve possuir relevância para isentá-los de um cumprimento da Lei mosaica com o objetivo de se obter uma justificação diante de Deus. A chave linguística na interpretação de Paulo que leva o homem a justificação é a FÉ por ele depositada em Cristo Jesus.


     Ninguém melhor do que Paulo para saber e ter consciência do fardo que a Lei representa. Principalmente por ele ter sido durante boa parte de sua vida um judeu extremamente zeloso no cumprimento da Lei. Porém, quando ele fala da Lei, e muito embora ela tenha essa atribuição de um grande fardo, Isto não significa que haja rancor em seu coração.


     O apóstolo quando faz referência a Lei, ele usa a metáfora de uma PEDAGOGA. Uma orientadora que tem como objetivo nos orientar em nossa formação desde a infância de tal maneira que alcancemos a maturidade. Esta maturidade é chegar a Cristo. Ao estabelecer o período mosaico como elemento de transição para se adquirir a maturidade em Cristo Jesus, ele conclui que a tentativa de se impor aos gentios as amarras desse período não é parte do plano divino e muito menos de sua justiça.


     A Justiça de Deus agora revelada, em Cristo Jesus, aos homens, estabelece que a Lei não pode invalidar a promessa. O que se pode depreender da atitude do apóstolo eu chamo de uma proposição pró ativa quanto a eleição dos gentios. E ao se utilizar de uma outra metáfora, entre a raiz e os ramos. Onde os naturais(Judeus) foram quebrados e em seu lugar enxertados os outros povos(Gentios), Romanos 11:16-24.


     Todo esse arcabouço teológico construído pelo apóstolo é para justificar que a eleição de Deus ocorrida em Cristo Jesus é o anteparo para todas as barreiras étnicas e culturais. Nele nos encontramos unidos pela soberana vontade de Deus. Fomos feitos descendentes de Abraão e, desta forma, herdeiros conforme a promessa que Deus mesmo fizera ao grande patriarca.

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