Apontamentos, abordagens e percepções de um pastor 

ALIENAÇÃO

ANSIEDADE

DEPRESSÃO

SUICÍDIO




   

Ultimamente tem aparecido com uma certa frequência, relatos de suicídios entre pastores evangélicos aqui no Brasil. Confesso que, dada a gravidade do assunto, não é algo que saibamos tratar com tamanha seriedade. Estes relatos apontam para um dado bastante assustador, já que se os mesmos procedem, provavelmente o número de casos de suicídios entre pastores pode estar subestimado. Quando faço tal  afirmação, estou pensando a partir de uma realidade doméstica e brasileira. Já que os relatos de suicídio entre pastores fora do Brasil acontecem com muito mais frequência. Porém como esses fatos tendem a aparecer com mais regularidade nas mídias sociais, creio  que ainda seja temerário fazer qualquer tipo de dimensionamento quanto a amplitude dos casos ainda sem a devida constatação técnica e pericial das autoridades policiais em que a principal parte envolvida seja a figura de um pastor.


           Meu objetivo ao buscar uma abordagem deste assunto é contribuir de alguma maneira para a construção de um debate que não somente identifique as causas da ocorrência, se é que existe tal ocorrência, do suicídio entre os pastores, mas que os mesmos tenham um preparo espiritual, psicológico e mental que lhes possibilite lidar com problemas de ordem emocional e psíquica dos outros sem que sejam afetados por estes mesmos problemas. Lembrando ainda que na ocorrência de casos com distúrbios mentais entre a membresia, não é o pastor que deve tratar e sim um profissional da área. Ele deve ter a capacidade de identificar e encaminhar para a ajuda profissional habilitada. É evidente que quando um profissional de saúde precisa fazer alguns procedimentos em pacientes, eles precisam estar preparados e devidamente protegidos com máscaras, luvas, etc. Ou seja, eles se blindam tendo em vista não se contaminarem. Ao fazerem isto tanto se protegem quanto protegem o paciente.


       O pastor não é um profissional de saúde. Ele, enquanto pastor, no máximo, está na condição de um conselheiro. Quando muito, ele se especializa em disciplinas que trabalham na área do aconselhamento de famílias, mas nem sempre isto significa que tenha alguma formação em psicologia, serviço social ou áreas afins. Ele também encara, desde uma perspectiva eclesiástica, a função que desempenha como um ofício e não como uma profissão. Em algumas situações sua atuação é sim digna de reconhecimento , mas a mediada que o seu trabalho adquire notoriedade, é possível ver que a igreja ou instituição a que pertence não lhe oferece uma  boa estrutura e condições que estejam a altura para o pleno exercício do seu trabalho. Até porque, o ambiente e contexto eclesiástico não é e não está preparado para este tipo de atividade.  O resultado disto é a sobrecarga pelo acúmulo de funções. Com isso vem o stress, o esgotamento físico e mental. Consequentemente, é meio caminho trilhado em direção a Depressão.  


      O pastor também precisa ter consciência de que deve estar blindado quando tem que tratar dos problemas de sua membresia e da administração da congregação. Ainda são poucas as congregações que têm consciência de que existe uma sobrecarga sobre os pastores e que é humanamente impossível tratar de pessoas e seus problemas e das rotinas administrativas da congregação com eficiência e qualidade. Existe a necessidade urgente de se fazer uma racionalização desta função e ofício que tem contribuído muito para o crescimento e desenvolvimento tanto espiritual quanto humano das pessoas.


     De qualquer maneira e, a despeito de não se poder fazer esse dimensionamento de situação com dados estatísticos, pelo menos em se falando de Brasil. O diagnóstico das causas de suicídios entre pastores são quase sempre os mesmos: Stress, esgotamentos físico e mental, depressão, baixos salários, baixa auto-estima e etc. E, no caso do pastor, com um agravante, pois ele tem que cuidar de pessoas. Esse é o seu principal ofício, mas não tem ninguém que cuide dele. Estes poucos fatos já relatados e comprovados, porém preocupantes, já deveriam acionar uma luz de alerta. Precisam ser debatidos e desmistificados. Pois revelam os tabus em torno dos quais ninguém se atreve tocar, como se fosse um sacrilégio abordar um assunto de tamanha gravidade.


     Há também pouquíssimas informações do meio cristão evangélico quanto ao percentual de ocorrência quando o assunto é suicídio. Primeiro por não haver um levantamento de dados neste segmento da população quanto a este assunto e nenhuma boa vontade de quem poderia oferecer este tipo de informação. Segundo pelo fato de a ocorrência do suicídio estar ligada a algum tipo de patologia mental e é muito difícil um evangélico reconhecer que padece de algum tipo de enfermidade dessa natureza. E quando há algum tipo de ocorrência dessa patologia nesse meio, ela geralmente vem associada a algum tipo de diagnose religiosa tal como possessão demoníaca ou problema de ordem espiritual, batalha espiritual, entre tantas outras justificativas que somente visam mascarar a realidade das patologias mentais ocorridas neste segmento. Principalmente se aquele que padece de tal enfermidade é o pastor da igreja. Recentemente uma dessas personalidades, tida como uma das grandes lideranças evangélicas neste país, fez a seguinte declaração:
        


bispo Edir Macedo, fundador e líder da Igreja Universal do Reino de Deus, usou seu blog para fazer uma reflexão sobre o tema. Ao longo de quase uma hora ele falou sobre o tema: “O que causa a depressão?”Surpreendentemente, Macedo disse: “os dois [pastores] cometeram suicídio simplesmente por questão de depressão”. “Como pode um pastor que prega a palavra de Deus cometer suicídio?”, questionou, para em seguida asseverar “nós sabemos que quando uma pessoa comete suicídio ela estava oprimida por um espírito do inferno”.

       Com esse pano de fundo traçado dá pra se perceber o terreno pantanoso que se tenta andar, ainda que patinando aqui e ali. E simultaneamente, se é que isto serve de justificativa, é possível tratar do assunto tendo por base que ele não é e nunca foi privativo apenas de um segmento social ou religioso, mas se insere  numa calamidade  ou epidemia e, portanto não há qualquer tipo de barreira para ele. Inclusive está sendo considerado como um problema de saúde pública. Já existem dados bastante confiáveis veiculados pela OMS de que a cada 10 pessoas que são suicidas em potencial no mundo, 08 cometem suicídio. E as principais causas são: Solidão, Depressão, Presença de outras doenças ou má saúde, Problemas conjugais ou de relacionamento, Dificuldades financeiras ou profissionais, Bullying, Problemas na adolescência e início da vida adulta, Luto ou perdas afetivas, Abuso de drogas, Timidez.


       Segundo a OMS a depressão é o segundo maior problema de saúde pública no mundo. E entre as patologias mentais, das 16 que são citadas, as mais comuns são: A Depressão e o Transtorno de Ansiedade. Não resta dúvida de que a Depressão é o tipo de patologia que tem acometido em sua grande maioria os pastores evangélicos, principalmente aqui no Brasil. O que se administra em termos profiláticos são medicamentos que podem ser complementados com psicoterapias. Até 2020, a Depressão será a segunda causa de morte por doença no mundo. Incluindo neste escopo a morte por suicídio. Há um leque de opções quando o assunto é a psicoterapia a ser administrada ao paciente com Depressão e aí depende do tipo de abordagem que o terapeuta opta ou com a qual ele está mais familiarizado. Porém todas buscam um enfoque interpessoal.


        No caso das mulheres, elas possuem o dobro de chance em relação aos homens de se tornarem depressivas e a ocorrência do suicídio é em média três vezes mais do que a taxa de ocorrência entre os homens. Porém de uma maneira geral, no Brasil a média é de 32 pessoas por dia que tiram suas próprias vidas, o que dá um total de 11.712 por ano. Entretanto este levantamento pode estar muito aquém da situação que de fato estejamos atravessando. Por causa de um fenômeno conhecido como sub notificação. Neste fenômeno está inserido  a cultura do silêncio. A pessoa tenta tirar a própria vida e não acontecendo ocorre o silêncio velado de familiares e pessoas mais próximas, muito embora o suicida apresente, na maioria dos casos politraumatismos que somente depois e sob minuciosa investigação se constatará que o que aconteceu foi uma tentativa frustada contra a própria vida. Ele pode ainda mais mascarar a realidade atual do quadro de suicídio e suas ocorrências no Brasil e no mundo.


       Quero deixar claro que minha proposição na abordagem deste assunto e de como ele tem afetado mais diretamente o meio cristão evangélico, e mais especificamente os nossos ministros. Não incide tão somente na constatação e veiculação de dados existentes, já que os mesmos estão ao alcance de qualquer cidadão que queira acessá-los. O caráter dessa abordagem a partir de um questionamento tal como: O porque dessa ocorrência no meio evangélico e que respostas, a final de contas, do ponto de vista teológico podemos dar ou que respostas já foram dadas desde  uma hermenêutica eminentemente bíblica, teológica e cristã? É fato que ao se tratar a temática do suicídio como questão de saúde pública, há sim a sinalização de que ele está presente em qualquer segmento social e religioso, e que as medidas a serem tomadas pelas autoridades públicas para a sua prevenção tem uma abrangência tal que não há como estabelecer que este ou aquele grupo de risco são mais vulneráveis e outros não.


       Outro dado que não pode passar despercebido faz do suicídio uma patologia mental. Podemos estar saudáveis do ponto de vista físico e orgânico e não termos uma saúde mental equilibrada e ajustada com o corpo. Aliás não há nenhuma novidade nisto. Freud quando foi estagiar na clínica de Charcot em Paris, pôde ver através da HYPNOSE, prática terapêutica empregada pelo famoso médico francês, que em muitas patologias o que se diagnosticava era que a mente estava doente e o corpo não. Freud testemunhou pacientes que eram cadeirantes e ao serem submetidos a hypnose se levantavam da cadeira e até caminhavam. Este dado é muito importante quando o contextualizamos com uma antropologia cristã capaz de ver o homem como uma unidade desde sua criação até sua reconstrução ou nova criação em conformidade, além da antropologia, com a soteriologia cristã.


     A propósito da alusão feita a teologia e hermenêutica cristã e sob a perspectiva bíblica, encontramos uma declaração feita pelo grande apóstolo e missionário cristão Saulo de Tarso e que depois passa a ser chamado universalmente de Apóstolo Paulo. No capítulo 7 e a partir do verso 7 da Epístola aos Romanos, ele diz que o pecado (Alienação) causa um grande distúrbio em seu interior pois ao tomar conhecimento da lei e seu imperativo ético e moral, está cônscio do bem que há nele, mas  o pecado toma ocasião para fazer deste bem em mal resultando em morte. Há toda uma dinâmica interior e intrínseca  a ele que provoca, por causa deste pecado, um profundo dilema: "E sou um desventurado, um miserável, pois eu quero fazer o bem, mas encontro na Lei o elemento que aponta a presença do mal em mim. Então, quem me livrará desta sina ou destino de morte presente em meu corpo?


       A referência a uma interioridade do apóstolo é feita por ele mesmo, e a percepção de que ele também convive com dilemas de natureza prática e existencial, se revela pela capacidade também detectada no apóstolo de se comunicar com extrema competência pela construção de monólogos. Eu me atreveria a dizer que se não fosse a transformação de vida proporcionada pelo encontro deste apóstolo com  a fé cristã, que ele seria um suicida em potencial. Segundo a psicologia e psicanálise de abordagem Lacaniana, o homem é o único ser falante e como tal é o único ser vivo  que atenta contra a própria vida. Ele faz da morte  uma escolha e escolher a morte ocorre a partir do encontro com o REAL. Segundo esta mesma abordagem há um dilema presente no homem que o coloca entre  o determinismo inconsciente à cadeia significante ou o automatismo de repetição.


      É de suma importância a esta altura do desenvolvimento do texto, perguntar como a Bíblia através dos relatos nela contidos aborda a questão do suicídio. Há pelo menos alguns relatos bastante significativos e emblemáticos que não somente expõem os motivos ou fatos geradores que podem resultar, a princípio, no desejo  de morte. Ou em consequência do desânimo levar outros a via de fato ao atentarem contra a própria vida. DESENCORAJAMENTO QUE LEVA AO DESEJO  DE MORTE: Nm 11:15; I Reis 19:04; Jó 3:21; Jó 7:15; Jeremias 8:03; Jonas 4:03; Apocalipse 9:06. DESÂNIMO QUE LEVA AO SUICÍDIO: I Samuel 31:04; II Samuel 17:23; I Reis 16:18; Mateus 27:05; Atos 1:18. Há também o caso de Sansão que ora ao Senhor antes de praticar um ato suicida visando sua vingança contra os Filisteus e seus príncipes que se encontravam no templo do grande Dagom e escarneciam dele (Juízes 16:23-31).


     De qualquer maneira quando alguém pensa ou ensaia em atentar contra a própria vida. Essa pessoa já vem sinalizando há algum tempo que pode cometer tal ato. Uma coisa que me chama a atenção em todas as abordagens terapêuticas nas patologias mentais é que além das profilaxias medicamentosas, há aquelas que se estabelecem como complemento para interagir com o paciente. Elas têm um perfil interpessoal, mas ao mesmo tempo são monológicas. A participação do terapeuta como interlocutor é a de uma figura passiva que ali se faz presente por ter aceito o paciente. Por outro lado, ele fica tão somente na condição de ouvinte. Paul Tillich usou essa metáfora para falar da relação de Deus com o homem nesses tempos de modernidade ao afirmar que Deus está sinalizando ao homem que o aceita como um paciente para que ele venha do jeito que vier. Ele pode se acomodar no divã que Deus está pronto para ouvir.                                   


      É consenso, a partir dos registros escriturísticos, que tanto aquele que atenta contra a vida do próximo quanto contra a sua própria vida transgride o mandamento do Senhor registrado em Êxodo 20:13 _ "Não matarás." Muito embora tenhamos feito aqui o registro de algumas passagens que não somente apontam para alguns personagens bíblicos dando cabo da própria vida, ou mesmo desejando dar cabo dela. A esta altura de desenvolvimento deste texto, não vejo como protelar o embate entre este registro e princípio bíblico e a situação que de fato me motivou a redigir este texto, o suicídio de pastores. É fato que o suicídio enquanto fenômeno tem se repetido com muito mais frequência a ponto de ter se tornado uma epidemia e portanto vem sendo tratado como uma questão de saúde pública pelas autoridades.


    E nós, pastores ou líderes religiosos que agora estamos no olho do furacão, como tratamos o suicídio sob a perspectiva bíblica e cristã, principalmente quando aqueles que estão tirando a própria vida militam no mesmo meio que o nosso e, quiçá, vivenciam os mesmos problemas e dificuldades que nós vivenciamos? Afora a ajuda e apoio de que falamos e que tanto carecemos, a questão sendo trazida a debate e se cercando de todos os profissionais que podem contribuir para a prevenção, ainda demanda de nossa parte uma resposta teológica e hermenêutica, bíblica e eclesiástica. Para ajudar neste grande dilema, é preciso entender que, na maioria dos casos de suicídios entre pastores, o que se constata, é que são homens que chegam a este triste fim por conta de uma grande e pesada crise existencial. Não são homens que estão envolvidos em escândalos sexuais, financeiros ou morais de uma maneira geral. São, pelo contrário, servos de Deus carregando pesados fardos sem, no entanto, terem com quem desabafar.


      Observo também que em alguns segmentos evangélicos algumas expressões tornaram-se verdadeiros tabus. Há pastores que por causa de sua retórica atrelada a princípios denominacionais, eclesiásticos e doutrinários fogem do uso de terminologias tais como a mencionada no parágrafo anterior: "Crise existencial". E a situação é constrangedora, pois se vive este dilema, mas não é nominado como tal. De alguma maneira, fomos encerrados dentro dessa existência e precisamos tratar dela com muita maturidade e responsabilidade. E em momento algum, isto pode transparecer que estamos abrindo mão dos princípios que regulam a nossa fé e esperança. Lembrando mais uma vez a Lacan em sua afirmação de que o homem é escravo e se encontra preso à cadeia significante. Essa prisão que é enfatizada desde uma perspectiva hierárquica e Saussureana, privilegia o significante em detrimento do significado, uma vez que ao se dar conta de sua situação diante do REAL, este mesmo homem se encontra ante a total ausência de sentido.


        Uma outra dificuldade que o pastor enfrenta diz respeito ao temor de, ao se revelar ou admitir que passa por alguma dificuldade e, neste caso, padecer de uma patologia mental, ser alijado de tudo, inclusive da direção da congregação. Esse risco é real. Mas, por se constituir como um dos dentes da engrenagem, é o próprio pastor que o possibilita. Ao não se propor trabalhar de forma educativa e responsável, na formação e conscientização de sua membresia para lidar com estas situações cada vez mais presentes nas igrejas evangélicas. Michel Foucault já observou que a loucura é um fato cultural e enquanto fato cultural é passível de uma catalogação para futuramente ser constituída sob uma base histórica. A nosologia e a nosografia auxiliam nessa fundamentação histórica e teórica. Sua observação, sob a forma de denúncia, sinaliza que este tipo de atitude tem como objetivo retirar aqueles que não são produtivos ou que demonstrem diferença em relação a norma comum. O pastor não pode tão somente se constituir naquele que contribui para se varrer a sujeira pra debaixo do tapete. E se pensa assim, quando ele se vê na mesma condição, é passível sim de cometer algum tipo de ato que beira aquilo que convencionalmente chamamos de insanidade mental.


       Mas qual a resposta a ser dada a partir de agora. Desde  uma abordagem e perspectiva teológica? Melhor dizendo, o que os teólogos pensam sobre o assunto e que respostas podem ser dadas diante do quadro que se nos apresenta? Em primeiro lugar, é fundamental que tenhamos em mente o que queremos para a partir de então. Buscarmos as ferramentas apropriadas na busca desse objetivo. Neste caso, em especial, qual seria então o instrumental teórico e linguístico a ser utilizado? Em uma situação específica neste texto quando tratávamos do método terapêutico da hypnose, fizemos menção naquele momento de como a antropologia cristã e teológica sob a perspectiva de uma abordagem do homem enquanto unidade e passando pela questão criacionista é claro, não omitindo a condição soteriológica deste mesmo homem, deveria se portar, ou como ela seria inserida neste contexto onde o elemento trágico na vida do homem está exposto.


    A oportunidade de se fazer  uma colocação como esta chama-nos a atenção para uma outra dificuldade. E esta diz respeito a algumas hipocrisias existentes no meio teológico. E estas hipocrisias estão mais presentes quando o assunto são as nossas hermenêuticas. Elas geralmente não levam em conta, primeiramente, a dificuldade e o trabalho contínuo de se analisar e levantar o fundo histórico, cultural, social e religioso dos relatos da escritura. E pra que se faça isso se estabelecem métodos que nem sempre são aqueles da nossa preferência, ou aqueles com que nos identificamos. E talvez, até por causa de algumas limitações que de toda ordem nos cercam, aqueles que não estão ao nosso alcance. E infelizmente, o uso de alguns métodos, um deles é o histórico-crítico, tem levantado algumas celeumas difíceis de serem apaziguadas(RABIES THEOLOGORUM).


      O uso deste ou daquele método demanda, dentre tantas outras coisas um instrumental linguístico, e claro, levanta outra difícil celeuma. Esta entre os biblicistas, uma vez que desliteralizar um conjunto de textos tidos e elevados a categoria de sagrados. Este é o principal e fundamental argumento, e nada contra ele, pois também sou homem de fé. Porém um dado bastante significativo quando se trata deste total zelo para com os textos sagrados, é que quase sempre ele diz respeito àqueles que se constituem, por ordem não sei de quem, nos porta-vozes de uma hermenêutica já consagrada num determinado passado histórico e também elevada a condição de absoluta. Mas, está aqui, e antes que  me interponham este estigma de LIBERAL, uma proposição vinda de um grande pensador e, pra mim, mais pensador do que teólogo, Paul Tillich. Ele propõe a restauração da palavra PECADO, não somente pelo fato de ser utilizada pela literatura clássica e pelo seu uso contínuo na liturgia, como também pela agudeza com que trata e traz à tona o sentido de responsabilidade pessoal na própria alienação.


     Por conta disso, foi minha opção trabalhar a questão do pecado do ponto de vista do conceito moderno e liberal como alienação. E desde uma perspectiva teológica vinculada ao pensamento do teólogo Paul Tillich que se vale do instrumental linguístico com base na ontologia. Logo, alienação é uma ruptura, enquanto hybris, do homem em relação ao ser de Deus, em relação ao seu próprio ser e em relação ao ser do mundo. Ele também não pode fugir dela, pois é seu destino e sua liberdade. A grande necessidade de se estar familiarizado com este ou aquele argumento traz consigo o tipo de instrumental linguístico que se deve utilizar. Tillich em sua obra "Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX", caracterizou em algum momento dessa obra a necessidade de se buscar novas formas de mediação para a teologia. E o porque de uma necessidade como esta, está fundamentado em sua tese de que se a filosofia propõe questões, e ela está em seu papel. O papel da teologia é propor respostas aos grandes desafios que estão diante do homem.


      Acho que apenas um detalhe nos separa da situação retratada como desafio na tese de Tillich. É atitude, deliberada ou não, caracterizada por boa parte dos pastores aqui e em outras partes do mundo de não se dialogar com a cultura. E por conta de uma hermenêutica biblicista bastante simplória e rudimentar onde se atribui ao mundo a sua condição de estar totalmente influenciado pelo maligno. E isto também é verdade. O autor de I João 5:14-19 tem sim consciência disto. Ele chama a tenção para algumas práticas pecaminosas que podem resultar em morte por causa da influência do pecado no mundo. Com isso o destaque que se pode dar nesta passagem é quanto  a prática contumaz de pecado. E esta prática contumaz não é o que caracteriza aqueles que são nascidos de Deus: "Eles não vivem pecando". Mesmo com toda a influência que este mundo possa exercer  na vida de cada um. Tendo a consciência desse ser alienado e muito presente em nós, ainda assim, muito embora sejamos detentores desse destino trágico as orações dos irmãos e o sentido de pertencimento interferem sim em nossa vida de pecadores: "Se alguém vir seu irmão cometer pecado que não é para a morte, orará, e Deus dará a vida àqueles que não pecarem para a morte. Há pecado para a morte, e por esse não digo que ore." (I João 5:16)


       Pra finalizar, gostaria de justificar a utilização de duas fotografias que acompanham este texto das três que foram postadas. A primeira é do grande escritor Franz Kafka e remonta a sua juventude em Praga, Império Austro-Húngaro. Levou uma vida  relativamente pacata e escrevia em momentos de folga. Mas, seus escritos retratam as ansiedades e alienação do homem moderno. Uma das análises mais marcantes quanto a este escritor, veio de um crítico literário, Walter Benjamim, mas não necessariamente sobre alguma de suas obras. Benjamim, em um texto sobre a "Pequena História da Fotografia", menciona uma fotografia infantil do escritor tirada em um daqueles ateliês da época. Lista os apetrechos e simulacros utilizados para se adornar o ambiente. E, neste caso, o menino é representado numa paisagem de jardim de inverno. Mas o que benjamim chama atenção, é que tal retrato contrasta com as primeiras fotografias, em que os homens ainda não lançavam no mundo, como o jovem Kafka, um olhar desolado e perdido.


       A segunda fotografia que quero chamar a atenção é a do grande artista plástico (Reconhecimento post mortem) Vincent Van Gogh. Foi um grande artista  e vanguardista influenciando, por exemplo, o expressionismo alemão. Chegou a frequentar durante um ano o seminário de teologia. Alguns de seus biógrafos, inclusive, dizem foi também pastor, durante um tempo, ao abrir  uma igreja. Sofria de Depressão e internou-se espontaneamente em um sanatório para se tratar numa cidadezinha do sul da França. Mas em 27/07/1790, deu cabo da própria vida com um tiro no peito. Notem que estamos fazendo menção de dois ícones das artes desde final do século XIX e início do século XX. Eles nas especificidades de cada um quanto a arte reproduzem o mesmo sentimento de ansiedade, de desolação e de alienação. E o que se percebe, bem como o que quero chamar a atenção, é o que desde uma perspectiva estética era algo restrito a uma análise tipicamente acadêmica. Nestes tempos de pós modernidade, parece que de forma paulatina e silenciosa, chegamos àquilo que as autoridades em saúde pública classificariam como uma PANDEMIA quando o assunto é Depressão. Infelizmente este não é o melhor ditado para se lembrar neste momento, mas é o único que reproduz com fidelidade a atual situação que nós pastores vivemos: "A vida imita a Arte."




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CAMARGO, Junio Luiz. Discursos sobre a loucura como instrumento de poder em Michel Foucault. Web/Site Monografias Brasil/Escola.


BALEEIRO, Cleber A. S. A noção de pecado como alienação em Paul Tillich - Notas de leitura a partir do pensamento de Gianni Vattimo. Revista Eletrônica Correlatio, número 14, Dezembro/2008


TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Paulo/São Leopoldo: Paulinas/Sinodal,


__________Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo/ASTE, 1986


BENJAMIM, W. https://seminariostecmidi.files.wordpress.com/.../benjamin-walter-pequena-historia-da-...

Um comentário:

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