Compilações/Coletâneas

 Se tem alguém que gosta. Que realmente é um apaixonado por teologia. Essa pessoa sou eu. Gosto de ler os teólogos, assim como me sinto tentado, sem falsa modéstia, a desconstruir os argumentos de alguns deles, para primeiro poder entender, depois criticar mesmo. Mas, tem uma coisa que não dá pra deixar de lado, ou como na gíria mais popular se pode dizer, jogar para escanteio. E estou falando daquilo que é mais importante nas igrejas que são as pessoas, o povo que ali se reúne, a congregação por assim dizer.

A igreja, na pessoa daqueles que a ela acorrem, ou congregam é a fonte, a substância, a razão pela qual o que chamamos de teólogo sobrevive. Por teólogo, quero que entendam que me refiro especialmente aqueles que militam neste e a partir deste espaço sagrado comumente conhecido como igreja. Eles não são meros produtores de conteúdos acadêmicos. Eles são a síntese de um conjunto de experiências de fé projetadas pelo passado crítico e ajuizador representado e projetado na congregação de hoje. E esta congregação agora peregrina ad infinitum.

Certa vez, mais especificamente no final dos anos 70, em plena efervescência das teologias Progressistas latino americanas, alguém cunhou a importância da ida das pessoas às igrejas, e a este caminhar no sentido de peregrinar com a igreja, mas de uma maneira que, para muitos soava de forma ideologizada, ao chamar a congregação, ao povo que liturgicamente fazia do seu caminho a igreja uma caminhada de peregrinação e de consequente superação da alienação. 


Este povo e no contexto desse ambiente latino americano foi cunhado com uma atribuição mais específica e socialmente aceita, ele foi chamado de pobre. Este pobre nesta nova retórica e hermenêutica progressista cristã e latino americana assumiu tamanho protagonismo e importância que alguém afirmou categoricamente que: "A igreja sem os pobres era um lugar abandonado por Deus e por Jesus(Passim)."


Mesmo com todo esse tipo de ferramenta ideológica e social que nos facilita e oportuniza a possibilidade de uma leitura das reais condições sociais das pessoas que vivem em sociedade, ou alijadas dela. É praticamente impossível fazer qualquer tipo de comparação entre o que entendemos por pobres e pobreza em ajuntamentos sociais como os que ocorriam no mundo antigo com a atual situação daqueles que agora nestes tempos experimentam algum tipo de flagelo social provocado por condições sub humanas impostas pelos atuais modelos econômicos em vigência atualmente.


Todavia, seja qual for a leitura e o viés ideológico empregado com objetivo de aferir as reais condições sociais das pessoas menos favorecidas. E seja lá qual for o contexto histórico e social dessas pessoas. É fato, e consenso geral que, desde que o mundo é mundo, existe sempre a exploração do homem pelo homem. Talvez, seja por isso que o próprio Jesus, certa vez, quando uma mulher vem a sua presença e lhe unge com um bálsamo caríssimo, e alguém insinua que o ato desta mulher foi um desperdício. Ele condena tal afirmação de maneira velada, não deixando que o tratamento que se dá aos pobres seja instrumento de algum tipo razão que extrapole o cuidado que se deve ter com a vida humana


A lógica de uma ajuda aos pobres não é de todo descartada. Porém, antes disso, o senhor Jesus foi capaz de enaltecer a atitude daquela mulher e lhe confere uma dimensão messiânica, uma vez que, segundo o próprio Cristo, ela o ungiu preparando-o para sua morte. Por outro lado, o bálsamo poderia ser vendido e o dinheiro da venda ajudaria aos pobres. Porém, o que não falta são oportunidades para se ajudar aos pobres. Pois: "Os pobre sempre tereis convosco." (João 12:8a). 


O que nós jamais deveríamos perder de vista, é que os pobres são mesmo instrumentos de Deus para se trazer seus juízos sobre a terra e os homens, àqueles mais poderosos. E por pobres devemos ter a decência de entender que são aqueles efetivamente desprovidos de recursos suficientes para sua subsistência. E por isso se sujeitam a todo e qualquer tipo de exploração patrocinada pelo próprio homem, com o único objetivo de levar o pão suado de cada dia de trabalho, mesmo que seja sob as condições mais injustas e aviltantes a que é submetido.

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Naquelas típicas conversas em contextos e situações familiares, no dia de hoje, em uma dessas conversas também em família, estava lembrando de uma expressão que minha saudosa mãe, umas tantas vezes, tinha por hábito pronunciar. Sempre que se comentava a cerca das atitudes de algumas pessoas, dizia ela: "Deus não dá asas a cobra." Uma das razões por que faço alusão a esta expressão, diz respeito ao fato de que estamos passando por tempos muito tenebrosos e onde aquilo que chamamos de relação de confiança em qualquer situação está praticamente fora de cogitação. 


E falar de relação de confiança diz respeito até mesmo a relação ovelha-pastor que se não é deveria ser fundamental no ambiente e contexto das igrejas. E o problema não é propriamente essa crise pandêmica e sanitária, este problema sempre existiu. Porém, num contexto e data mais próximo da atual situação em que vivemos foi acirrado e multiplicado exponencialmente por razões ideológicas. Todavia caso queiramos retroceder mais e mais no tempo, podemos chegar até a escritura sagrada. Mais precisamente no capítulo 10:11-18 do evangelho de João, onde o Senhor Jesus faz uma alusão a título de comparação entre o pastor mercenário e o verdadeiro e bom pastor que até sua vida é capaz de dar pelas suas ovelhas.


Mas, a palavra que quero deixar com vocês é a seguinte: Não espere por nenhum religioso na expectativa de que o mesmo libere uma palavra de conforto e consolo neste momento em que as famílias estão experimentando dores profundas por causa das perdas de vidas provocadas pela epidemia do COVID-19. Como um bom cristão e na autoridade que a própria palavra te confere, libere essa palavra de conforto e consolo para aqueles que, neste momento, estão padecendo e alguns até mesmo perecendo em seus leitos de dor. A própria escritura ensina que qualquer um de nós enquanto cristãos somos sacerdotes universais(I Pedro 2:9). Logo, temos essa investidura e autoridade no nome de Jesus, e, para o exercício de tal ministério, não carecemos da chancela ou aval de nenhum grupo clerical. E que Deus nos abençoe neste ministério.

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Todos vocês que me conhecem das redes sociais e até mesmo os que me conhecem pessoalmente, sabem das minha posições políticas. E mesmo tendo a investidura religiosa, pois sou pastor de confissão Batista, não abro mão delas enquanto cidadão. Todavia, e, nesta hora, quero mudar o tom de minhas colocações, não significando que tenha mudado o entendimento e condução dos meus posicionamentos. Mas, quero poder fazer uso com um pouco mais de intensidade do meu ofício e investidura.


Falo isso, pois tenho também a percepção que estamos deixando muito a desejar enquanto ministros da Palavra de Deus, quando o assunto é ministrar conforto e orientação espiritual nestes momentos de crise pandêmica. O que me parece quando algum colega se mostra negacionista diante da crise sanitária em que nos encontramos, é que é mais fácil resumir a mesma a algum tipo de conspiração midiática e, por conta disso, se furtar a tratar aqueles que padecem nesta mesma situação catastrófica.


E que tipo de tratamento seria este? Se não somos médicos, enfermeiros, ou algum outro profissional de saúde? É bem verdade que as orientações quanto ao isolamento social precisam e devem ser seguidas com extremo cuidado. Ele deve começar por ferramentas de comunicação como esta. Se você enquanto ministro dispõe de uma ferramenta de comunicação como esta. Você tem como ministrar uma palavra de alento e de conforto para aqueles que estão enlutados.


De ontem para hoje recebi a mensagem de uma amiga das redes sociais que estava com o sobrinho para ser transferido para uma unidade de saúde, em outra cidade. E o que ela me pedia era que estivesse orando pela recuperação daquele jovem. Tenho certeza que muitos outros colegas pastores recebem este mesmo tipo de pedido. Porém, na maioria das vezes, o que temos feito enquanto pastores, e isso é facilmente verificado pelas próprias lives que eles promovem é, pela ordem, negar a existência dessa Pandemia, negar a necessidade de Lockdown, e, acusar algumas autoridades, não todas, ao afirmar que a necessidade de Lockdown é apenas uma desculpa para que seus templos estejam fechados.

Como disse, logo no primeiro parágrafo deste texto, sou de origem, formação e confissão Batista. E ninguém melhor do que um Batista para falar da liberdade de consciência, da liberdade de culto e da liberdade religiosa. Isto é nosso DNA, está em nossa história e essência. Porém, a discussão maior neste momento não é esta. A preocupação maior neste momento deve ser a preservação da vida. E se o Lockdown, se o isolamento social e todas as medidas protetivas em função da vida humana, são recomendadas pelos agentes de saúde. Cabe a nós acatarmos tais recomendações.


E por que tenho acatado tais recomendações, eu quero, neste momento, e através da única maneira que me vejo em condições de ser mais um elemento proativo nesta sociedade tão cheia de fraturas, externar o meu desejo e oração pra todos vocês que já foram alcançados por este famigerado vírus e como consequência ou estão apreensivos com o desfecho desta situação, com aqueles que estão sob os cuidados médicos, muitas vezes precários. Com aqueles que já sentem a dor da perda de algum ente querido. Que Deus conforte seus corações. Que Ele possa fortalecer e prover sua vida com saúde e  bons sentimentos. 


E lembrando aqui do nome do jovem lá do nordeste que estava na noite de ontem sendo transferido para outra unidade de saúde. Seu nome é Ricelly, ele é da cidade de Itapiúna no Ceará estava sendo transferido para Quixeramobim. Oremos por este jovem, pela sua família. Situações como está não são casos isolados. As famílias estão acuadas e sensibilizadas com o fantasma desse vírus. Se você também conhece alguém ou algumas pessoas que atravessam esta mesma dificuldade, sinta-se a vontade para usar este espaço para colocar seus nomes e juntos intercedemos uns pelos outros em oração. Obrigado e que Deus nos abençoe. 

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Valendo-me dos principais termos e jargões midiáticos em uso nestes tempos de início de terceiro milênio. Fiquei curioso em fazer algum tipo de reflexão a cerca do que realmente as pessoas, principalmente aquelas mais assíduas aos bancos de igrejas, sabem sobre Jesus, ou mesmo se elas tivessem que mapear um perfil psicológico a cerca de Jesus, a partir do que elas ouvem nessas igrejas e as respectivas literaturas que têm acesso, como seria esse perfil?


Não existe apenas um Jesus nos textos bíblicos, em especial no Novo Testamento. O Jesus dos evangelhos, principalmente o da tradição sinótica, não bate com algumas das principais hermenêuticas que se apresentam na atualidade. Ele é muito mais humano, se mistura com o povo, come e bebe com os mais humildes(Pecadores). Nunca se impressiona com a fama, inteligência e riqueza das pessoas(O jovem rico). E, acima de tudo, quando tem a oportunidade de contemplar a multidão, é capaz de externar um profundo sentimento de amor e de misericórdia. Que é, afinal de contas, o que o move no firme propósito de fazer a vontade daquele que o enviou.

    

Esse Jesus não se furta a debater a cerca dos flagelos humanos. Age efetivamente com o objetivo de minimizar todos os flagelos de que o homem é acometido. Aqueles que acontecem em decorrência das condições do clima, da geografia, e que geram situações sociais caóticas como fome, guerras, doenças, etc. Minha outra curiosidade após esse breve resumo, é de saber, em níveis percentuais, e a partir desses frequentadores assíduos de igrejas, qual é o grais de identificação com esse Jesus da tradição sinótica? 



 

 Texto - Lucas 7:36-50


Tema - O fim da religião e o advento da cultura do amor.


ICT - A intensidade do amor é medida proporcionalmente ao tamanho do perdão.


Objetivo Geral - Levar a congregação ao entendimento de que sem amor não há religião.


Objetivo Específico - fazer com que a congregação perceba que o amor sobrevive sem a religião. Já a religião não sobrevive sem o amor.


Tese - …"porque quem ama aos outros cumpriu a lei."



Introdução


     Primeiramente, é bom que se esclareça que o objetivo desta leitura não é o de fazer severas críticas a este ou aquele sistema religioso. Muito menos, fazer algum tipo de apologia de qualquer um deles. Precisamos ter em mente que segundo alguns sociólogos que estudam ou estudaram de perto questões relativas a religião. Com mais especificidade, quero me referir a Durkheime, o sentimento religioso é algo presente no ser humano, digo até como um grifo meu, enraizado no ser humano, tal como Durkheime atesta em sua obra: DURKHEIME, Emile. As formas elementares do sentimento religioso. Ed. Paulinas.

     Entretanto, antes que eu comece a divagar sobre algumas questões sociológicas, ou antropológicas muito presentes no texto lido. As quais, podem, de alguma maneira, fazer com que nós nos enveredemos por alguns substratos dentre os quais não há como omitirmos o substrato histórico, uma vez que, a partir do mesmo, é possível haver uma identificação mais precisa de que época, lugar ou ambiente que estamos falando. É de suma importância que tenhamos em mente o aspecto linguístico e sincrônico que, do ponto de vista textual, será a relação entre o que, a partir de nossas experiências traduzidas em relatos linguísticos, e a forma como hoje nos organizamos social e comunitariamente desde uma orientação religiosa pela qual ditamos os rumos de nossas vidas.

     Com isso quero me basear em duas definições lexicais do termo religião em nosso vernáculo. A primeira diz: "Religião é a crença na existência de um poder ou princípio superior, sobrenatural, do qual depende o destino do ser humano e ao qual se deve respeito e obediência." A segunda diz: "Religião é a postura intelectual e moral que resulta dessa crença." (Definições de Oxford Languages). Conforme o segundo verbete deste dicionário há uma moral e uma intelectualidade que surge dessa crença. Ela então serve para ajuizar quem é íntegro e quem é ímprobo.

     A clara alusão do verbete a que se fez referência e suas duas dimensões, uma vertical desde a perspectiva de relação com um princípio e poder superior. Combinado com a horizontal, o código de ética e a moralidade auferido desde esta relação com aquilo que, doravante, chamarei de "transcendência". Mostra-nos que ano após ano, século após século e ainda vivemos sob a dinâmica de uma vida pautada pela materialidade e realidade do mundo e as inconsistências de seu arcabouço de conhecimento dinâmico, bastante positivo e sensorial, porém, analógico. Assim como o conhecimento da metafísica do ser e sua condição substancial e acidental ao tratarmos do ser enquanto ente durante seu período de vigência.

     O que nos chama a atenção ao lermos o texto de nossa reflexão, é a maneira como a sociedade dos tempos de Jesus se valia, tendo sempre como parâmetro seus princípios religiosos, de uma ética e moralidade que ajuizava a dignidade das pessoas. A questão é levantada neste texto a partir de um encontro social onde Jesus é o principal convidado para um banquete. E este banquete, conforme o texto, foi na residência de um fariseu. De acordo com o texto, este fariseu insistiu muito para que Jesus comesse em sua casa. É uma típica reunião que talvez tivesse como objetivo pegar o Senhor Jesus em alguma contradição com sua doutrina e ensino. Entretanto, as relações de Jesus com os fariseus não eram tão beligerantes a a ponto de não se comunicarem. Elas eram divergentes em conceitos e ideias. Nada que não pudesse estabelecer uma trégua e fazerem suas refeições juntos como bons judeus que eram.

     Curiosamente, uma mulher que era tida como pecadora em sua cidade. Entra sem qualquer problema na casa de um fariseu e vai em direção a Jesus. A mulher em questão entra no recinto e acorre a seus pés. Na descrição da narrativa ela se aproxima por trás e estava extremamente comovida, pois chorava copiosamente. E, ao chorar, regava-lhe os pés com suas lágrimas ao mesmo tempo que os enxugava com os cabelos. Mas, também beijava-lhe os pés e os ungia com unguento que trouxera num vaso de alabastro.

     Toda esta situação criada pela presença daquela mulher e na casa daquele homem fariseu. A princípio poderia transparecer que foi forjada pelo anfitrião da casa. Contudo, não parece que a narrativa queira se valer desta situação, embora essa possibilidade, como deixei claro anteriormente, tenha algum tipo de procedência. Entretanto, o que entendo por ora ser mais relevante para a abordagem dessa narrativa, são aqueles aspectos circunstanciais que acompanham o progresso e argumentação da narrativa propriamente dita. E que de acordo com o que está sendo proposto nesta leitura desde seu início. É a tese de que as questões que estão sendo colocadas a Cristo nesta narrativa se revestem de um propósito redacional que visam defender o fato de que em Cristo tudo se encerra e se explica como um eixo centralizador e irradiador de uma nova e mais eficaz forma de se lidar com Deus sem o instrumental ideológico da religião vigente.

     Teologicamente falando, melhor dizendo, conforme aqueles conceitos antropológicos e teológicos típicos de um básico conhecimento bíblico, Cristo é por excelência o fim da historia. É nele e somente através dele que o homem alcança sua plenitude. Isto significa também que Cristo é o fim da religião. Ele inaugura esse novo tempo com a prática do amor e do perdão. Nada melhor como exemplo do que a situação em que se encontra esta mulher que é socialmente considerada uma pecadora. E para falar do perdão que a ela fora dado. O Senhor Jesus deve ter feito uma análise bem profunda do ambiente e circunstância que rondava aquela casa e seu anfitrião. Os segredos e intencionalidades. Mesmo porque, quando se faz menção de alguém ligado ao farisaísmo. É bom que se considere alguém que leva muito a sério e com extremo zelo sua religião bem como sua religiosidade(Vide o exemplo de Paulo, Gálatas 1:14).

     Outro dado bastante interessante e que serve a título de informacao com o objetivo de aclarar aquele ambiente doméstico e de banquete. É o lado teatral da coisa. Parece que para a época de Jesus era muito comum quando alguém recebia uma pessoa ilustre em sua casa, fazer com que aquilo literalmente se tornasse um acontecimento social. A casa ficava basicamente aberta a visitação pública. Qualquer que passasse e soubesse do ocorrido podia se aproximar, adentrar ao recinto e testemunhar o anfitrião e seus convidados se banqueteando regaladamente. Esse tipo de narrativa a cerca dos banquetes e refeições nos evangelhos é muito comum. Nos quatro evangelhos se pode ver narrativas em que o Senhor Jesus está numa mesa com amigos. Conta alguma parábola onde a figura da mesa é muito presente e corriqueira. Porém, em Lucas essas narrativas acrescentam uma outra peculiaridade. O contra ponto entre duas situações extremamente opostas. Pode se ver isto nesta narrativa propriamente dita em que o destaque passa a ser a figura de uma mulher que por ser pecadora é por assim dizer repugnante. Mas, há também a narrativa do rico e Lázaro e o contra ponto é entre a riqueza e a pobreza. 

     Não faz muito tempo que encontrei uma charge de Lutero em uma dessas redes sociais, e que ilustrava como ele tinha estabelecido o Cânon das escrituras para o protestantismo. Nela o cartunista se vale daquela brincadeira de criança quando encontra um trevo ou uma flor qualquer e começa a arrancar uma a uma as suas pétalas proferindo a expressão: "Bem-me-quer, mal-me-quer," porém, Lutero usa a mesma expressão para cada folha da Bíblia. Esta charge é bastante criativa e de um senso de humor típico de alguém que, mesmo sendo católico, faz com leveza a sua crítica. Estou me referindo a ela não necessariamente pela discordância existente entre um Cânon e outro e sim, pelo fato dela fazer referência a Lutero.

     Feito a referência que fiz a Lutero. Quero lembrar que uma das cartas que o reformador resistiu o quanto pode para não incluí-la no Cânon, foi a Epistola de Tiago. Ele entendia e via esta Epistola como não evangélica pelo fato de não haver referência explícita a Cristo e sua ressurreição. Basicamente, Lutero achava que esta Epistola era muito legalista por enfatizar a lei e o mérito das obras. Ele chegou a cunhar esta Epistola como "Epistola de Palha." Ora palha é uma espécie de refugo que mal e mal quando se aproveita é para servir de alimentador de fogo. Ou seja, esta Epistola não tinha utilidade alguma para a igreja e a mensagem de salvação que se propunha a pregar.

     Muito mais no protestantismo do que no catolicismo, a evolução histórica desde que a questão do Cânon começou a ser debatida na igreja. Levou a uma excessiva valorização da escritura misturada com Hermenêuticas equivocadas a cerca de sua autoridade. O Cânon bíblico que, por minha opção, prefiro chamar de escritura. Atualmente apresenta sua face mais impositiva e arbitrária. Ele deveria ser visto como inspirador de boas ações pelos mesmos motivos dos quais se vale o apóstolo Paulo ao falar da Escritura divinamente inspirada(II Timóteo 3:16-17). Já que a escritura reúne em seu conteúdo o relato das várias experiências e situações por que passaram os servos do Senhor. Porém, a forma como ele é abordado na devida proporção de como a arbitrariedade em sua aplicação se nos apresenta atualmente. É o claro indício de que se tornou um código de ética hermeticamente falando.

     São fatores como os que foram abordados no parágrafo passado que contribuem para a ideia de que os mesmos favorecem um sistema religioso engessado pela aplicação e adequação de pressupostos anacrônicos daqueles que vivem em uma sociedade e mais especificamente na comunidade onde este ou aquele se encontra inserido. A mulher desse relato não é qualificada enquanto alguém que faz parte da comunidade. Ela sequer é tratada pelo nome. A única coisa que interessa é a especificação de que é pecadora. É o qualificativo pelo qual todos daquela cidade a conhecem. Logo ela não precisa de nome. O tipo de estigma que ela carrega por ser pecadora no texto não se mostra em sua clareza. Não se sabe se é pecadora por ser prostituta, por ser adúltera, etc.

     É fato que foi por causa desse sistema religioso e de toda uma hermenêutica montada sobre a escritura para dar sustentação ao mesmo, que se chega a conclusão e consenso social de que aquela mulher é uma pecadora. Por isso ela acaba por se tornar alijada de tudo. Principalmente da vida em sociedade e, portanto, até mesmo da vida religiosa. Todavia, ainda que continuemos nesta leitura tão somente tratando-a como mulher, vamos deixar de lado, por ora, o adjetivo pecadora. Ela é bastante resiliente e não tem medo de se assumir como pessoa na condição de mulher apesar de todos esses contratempos.

     E tomando consciência da presença de Jesus na cidade e na casa de um fariseu. Confesso que até agora estou querendo entender como alguém que é tida como pecadora consegue entrar com relativa facilidade na casa de um fariseu e se aproximar da mesa onde todos estavam a comer? Este fato ainda me deixa perturbado. Mas, o que nos interessa neste momento é o fato de que esta mulher se prestou a passar por alguns inconvenientes dada sua situação naquela cidade para poder se encontrar com Jesus. Sua atitude foi entendida como digna e merecedora da atenção de Jesus. Pelo fato de ter feito o que fez sem que tenha pronunciado uma palavra sequer. 

    E para finalizar esta introdução, quero contar um fato contado e recontado por minha mãe em minha infância e que dizia respeito a conduta ética de um irmão membro de uma igreja evangélica, por volta dos anos cinquenta do século passado(XX). Dizia minha mãe que uma senhora tinha sua filha em idade que já despertava os olhares dos homens. Esta jovem gostava de se maquiar, como toda jovem vaidosa no bom sentido. Este irmão então passou a tecer comentários bastante indelicados que davam a entender o caráter dúbio daquela jovem. A mãe, então, afrontou este irmão e lhe disse o seguinte: O pecado dela todo mundo vê, e o seu?

     Um outro exemplo que nos dá conta da forma como funcionava o sistema religioso nos tempos de Jesus foi o que aconteceu com a mulher pecadora apanhada no ato de adultério e jogada aos pés de Jesus para que ele se pronunciasse sobre o princípio legal na lei mosaica que penaliza a morte por apedrejamento(João 8:3-5). A mesma situação a qualificação de ser uma mulher adúltera, uma pecadora, por assim dizer. Não tem nome e tudo o mais que poderia saber sobre sua vida, seus pais, seu marido, etc. É omitido nesta narrativa, assim como no texto de nossa reflexão. Algumas outras situações poderão ser efetivamente abordadas a partir da lógica cruel e impositiva de qualquer sistema religioso. Porém, não são nossa prioridade.



I - Um sistema religioso amparado por um princípio legal não demanda por uma vigência plena. (V.V 36-39)


     É bom que se esclareça que o discurso religioso e moralista está representado pela figura do fariseu. E o discurso que repercute do lado daquele que é julgado como pecador está representado pela figura da mulher, também conhecida como pecadora. Ela é pecadora e os desdobramentos e consequências pelo fato de ser pecadora são deveras desgastantes, humilhantes e efetivamente danosos a qualquer ser humano. Mas, nada disso é suficiente para impedir que esta mulher vá ao encontro de Jesus. Ela sabe de sua condição e não se deixa tomar pelo desânimo. Luta com todas as suas forças com o objetivo de superar estas dificuldades. Segundo a própria crença que imperava em sua época, sua condição de pecadora a impedia até mesmo de tocar em outra pessoa. O seu pecado, e, neste caso, não estamos falando de lepra, impunha um isolamento social sufocante. Ainda assim, ela foi capaz de passar por cima dessas dificuldades, adentrar aquela casa e chegar a presença de Jesus.

     Estabelecido o grau de participação e relação da narrativa. E isto fica cada vez mais claro pelo tipo de discurso antagônico e anteposto no ambiente da casa do fariseu. A proposição do tópico em questão é a partir desse conceito de que o interior da casa tem relação direta com a privacidade. Deve se destacar que o elemento ajuizador potencializado no interior daquela casa está presente na pessoa e figura de seu anfitrião, o fariseu. É este mesmo fariseu que, doravante, não a lei, mas ele próprio que pelos desdobramentos ocorridos em sua casa estabelece o que se deve e o que não se deve ser obedecido. Em outros casos e em narrativas diferentes nos evangelhos, o Senhor Jesus é advertido e censurado por escribas e fariseus pelo fato de seus discípulos não lavarem as mãos antes das refeições, deixando de observar uma tradição e legado dos antigos(Marcos 7:2, 7:5; Mateus 15:2). A mesma situação se repete, tal qual a deste capítulo 7, em que uma narrativa descreve que o Senhor Jesus sendo convidado para jantar em casa de uma certo fariseu. Afirma que o fariseu ficou admirado dele assentar-se em sua mesa para comer e não ter lavado as mãos ( Lucas 11:38)

     Todavia para chegar a presença de Jesus, esta mulher, apesar dos contratempos, era bastante antenada com a realidade de seu tempo. Nem mesmo o isolamento imposto pela sua condição de pecadora foi suficiente para impedir a conexão que tinha com o seu tempo a tal ponto que pudesse viver alijada de tudo. O verso 37 nos diz que ela tomou conhecimento da presença de Jesus na casa de um fariseu. Então, temos neste caso uma mulher movida pela ânsia de se sentir acolhida e de ser perdoada. Ela sabia que somente Jesus poderia lhe proporcionar esta benção. E embora o Senhor Jesus estivesse em casa de um fariseu. Desfrutando de uma pseudo hospitalidade, pois estava comendo. Ela soube muito bem como unir a fome com a vontade de comer. E foi atrás do único que poderia lhe oferecer alívio e descanso para a sua alma.

     Talvez aquela mulher já tivesse frequentado ambientes parecidos como aquele da casa do fariseu. Ou até mesmo aquela casa em outras épocas. E, quem sabe, em algum momento, alguma coisa tenha dado errado em sua vida e ela, por isso mesmo, se encontrava naquela situação constrangedora de agora. Um dos indícios que mostra que ela era familiarizada com aquele ambiente doméstico, foi o fato de que ao ir ao encontro do mestre tenha levado um vaso de alabastro com unguento. Todo esse ritual judaico era rigorosamente obedecido antes das refeições. Jesus então se encontra literalmente reclinado à mesa na casa do fariseu para a refeição quando por trás, conforme o texto, se aproxima a mulher tida como pecadora.

     Há uma questão que precisa ser levantada aqui. Até que ponto o espaço da casa em dia de banquete deve ser considerado como um evento social e aberto a todos da cidade? Por mais que este tipo de alegação possa parecer sem sentido, há indícios de que era muito comum no tempos de Jesus. As pessoas quando queriam oferecer um banquete a alguém de projeção na sociedade, faziam daquele evento uma acontecimento social. Ao mesmo tempo que franqueava o livre trânsito de qualquer pessoa pelas dependência de sua casa. Assim podiam assistir aqueles que se banqueteavam regaladamente. Isso explica a mesma situação contada neste mesmo evangelho, na parábola do Rico e Lázaro. No caso desta mulher, seu objetivo não foi o de ser apenas uma expectadora de acontecimentos sociais. Ela fez daquele evento um ato de serviço e adoração.

     Já eliminamos em algum momento do desenvolvimento deste texto que embora aquela mulher fosse pecadora, ela não era portadora de lepra. Se fosse este o caso, o seu acesso àquela casa não aconteceria. O fato de que o foco e estigma de pecadora lhe pesava assim como sua condição de mulher, leva-nos a concluir que ela pudesse ser uma prostituta e que talvez tenha caído nesta vida. Porém, em outro momento, tenha sido alguém que transitou pelo meio social de uma classe alta e burguesa de sua cidade. De uma coisa temos certeza, o pecado dela tal como o texto descreve não era visível como a lepra ou qualquer outro tipo de mal patogênico que deixa algum tipo de sequela no corpo. Essa sua condição de pecadora foi o motivo, conforme o texto, de fazer com que o fariseu pensasse consigo próprio e questionasse a condição de profeta divino em Jesus. O texto é de uma complexidade na descrição do que acontece neste banquete e tem como objetivo precipuo não apenas a descrição de um evento meramente social, mas estabelecer o jogo de poder e de intencionalidades. E para tanto o sistema religioso e a forma como ele dispõe as pessoas neste jogo é fator preponderante.

     O que está em cheque não é o olhar misericordioso de quem não se encontra e muito menos se acha na condição de pecador. O que está em jogo é o olhar mesquinho e destruidor de quem se constitui como portador desse discurso religioso revestido de um preceito legal. E, como já foi assinalado, faz parte de um jogo de intencionalidades. O que é mais agravante ainda é que tudo isto esteja acontecendo no interior de uma residência. Não que esta situação não seja passível de acontecer no interior de uma casa. Porém, como jogo de intencionalidades, ela foi deliberadamente levada para lá. O fato de se fazer uma análise desta situação com ar de surpresa tem como interesse contrapor este acontecimento com a situação de nossos dias. E por que se fazer isto? Nas sociedades modernas há uma clara distinção legal e social entre espaço público e espaço privado. Todavia na casa desse fariseu, e nós estamos nos reportando a uma narrativa que tem seu lugar e tempo, espaço e ambiente no mundo antigo e onde o ambiente que deveria ser privado acaba se tornando num espaço público de livre transito de qualquer pessoa. Assim, fica mais passível de se entender porque Lázaro estava próximo a porta da casa do rico e também desejava comer das migalhas de pão que caiam de sua mesa(Lucas 16:20-21).

     O fariseu no verso 39 ao questionar a messianidade ou dom profético de Jesus fazendo alusão a condição de pecadora da mulher, retrata bem o que temos chamado de jogo de intencionalidades. Ou seja, o mestre enquanto profeta na visão do farisaísmo não era capaz de perceber que estava diante de uma pecadora. E para piorar, deixava que ela o tocasse. Há algumas outras situações colocadas nos evangelhos onde Jesus toca nas pessoas que estão enfermas. E se elas estão enfermas é porque têm algum pecado e as cura de suas enfermidades. Isto aconteceu com o leproso, onde ele literalmente toca naquele homem e declara que que quer ele seja limpo(Mateus 8:3: Marcos 1:41; Lucas 5:13). Há também a situação em que alguém lhe toca esperando alcançar uma graça como foi o caso da mulher que sofria de hemorragia(Marcos 5:31; Lucas 8:45). A ironia do fariseu ao pensar e duvidar consigo mesmo da messianidade de Jesus nos leva a reflexão de que não importa o quanto o Senhor tenha feito e de tal maneira que a sua fama tenha se espalhado e tenha chegado a situação de que agora na condição de alguém sendo recepcionado em casa de um fariseu. Ainda assim o olhar inquisidor daquele homem não o capacita a perceber que tudo que o Senhor Jesus tivesse realizado até aquele momento fora movido pelo sentimento de misericórdia pelo próximo. Mesmo que este próximo esteja na condição de uma mulher e socialmente considerada pecadora por todos daquele lugar e especificamente daquela casa.



II - Um sistema religioso capaz de minimizar a culpa através da relação entre credor e devedor.(V.V.40-43)


     No tópico passado objetivei falar do sistema religioso e de como, por mais eficaz que fosse, não conseguia exibir toda a sua abrangência. Já que é fato por tudo que estava ocorrendo no interior daquela casa que nem tudo era perfeição. Não podemos perder de mente que aquela casa pertence a um fariseu. Já falamos sobre isso, inclusive fazendo menção a Paulo, de que um fariseu tem como sua principal característica o extremo zelo pela Lei. Bom, todos sabemos também os motivos pelos quais o Senhor Jesus chamava fariseus e escribas de hipócritas, ou de sepulcros caiados(Lucas 11:14). Eles em nome de um discurso religioso que sustentava o próprio sistema social de sua época, faziam de tudo pela manutenção e perpetuação no cenário político e religioso de sua época e de tal representatividade. Mesmo que para tanto fosse necessário tão somente uma encenação.

     Da forma como tudo aquilo estava construído, muito embora, nem Jesus e muito menos a mulher questionem a validade do princípio legal(Lei). Ou seja, a mulher subsiste na condição de pecadora. Ela tem consciência de sua situação e vai até Jesus porque sabe que nesta condição ela tem apenas uma coisa a fazer. E é o que ela faz ao clamar ainda que silenciosamente por misericórdia. Todos ali naquela casa, a excessão de Jesus, a olham com reprovação e desprezo. Ainda assim, nada disto foi suficiente para que a impedisse de se dirigir àquela casa. E a atitude de Jesus que leva em consideração tanto a intencionalidade silenciosa do fariseu anfitrião, assim como a necessidade de se liberar o perdão para aqueles que por ele procuram.

     A lógica sarcástica de Jesus para com o fariseu é digna de admiração. E, por sarcasmo, quero chamar a atenção para aqueles bons sentimentos. Aqueles que visam tão somente minimizar o peso da culpa. Ele, Jesus, ao falar sobre o perdão de pecados, não está objetivando ignorar o sistema legal que coloca quem quer que seja nessa condição quando algum princípio é transgredido. Mas, a culpa que os indivíduos carregam tem pesos diferentes. E foi o que o Senhor estava querendo fazer quando leva o fariseu e anfitrião da casa, cujo nome era Simão, a raciocinar. O que podemos deduzir é que aquela mulher tinha cometido uma falta muito grande e pesada. Era tão pesada que não era capaz de carregar sozinha. E ainda sofria com o desdém e desprezo da sociedade em sua época.

     Tudo indica, conforme nos informa o verso 38, que aquela mulher ao chegar a casa e se aproximar de Jesus, que ela veio por trás e que ele somente tenha tomado consciência de sua presença pelo que fato de lavar os seus pés com suas lágrimas, enxugá-los com seus cabelos e ainda os ungir com um bálsamo. Mais notável ainda foi a atitude de Jesus de não reagir de forma instintiva afastando-se dela. O Senhor também percebeu algumas intencionalidades hostis tanto em relação àquela mulher quanto em relação a ele próprio. Entretanto, a forma com que lida com essas dificuldades é simplesmente genial. Ele trabalha com uma lógica de raciocínio que é a mesma lógica de Simão, o anfitrião da casa, porém que proporcionam resultados diametralmente diferentes.

     A lógica de Jesus é de acolhimento e perdão. Por isso mesmo, ao primeiro convite de um fariseu para cear em sua casa. Mesmo sabendo que poderia acontecer algum tipo de hostilidade, ele aceita. E essa hostilidade está denunciada pela própria mulher pecadora ao se aproximar de Jesus e fazer o que fez. Todavia, o que ela fez e como este seu ato revela a hostilidade do anfitrião para com o convidado. É o que veremos no tópico a seguir. Por ora, o que importa é pensarmos e repensarmos a lógica do acolhimento e perdão por parte de Jesus e de como, tanto Jesus quanto o fariseu, ao partilharem da mesma lógica e raciocínio, chegam a resultados tão diferentes.

     Primeiro de tudo, a lógica imperante e com base no princípio legal é a lógica punitiva do fariseu. Muito embora, até agora não saibamos de que pecado aquela mulher era acusada e passível de punição por ser pecadora. Entretanto, tendo como ponto de partida essa lógica imperante e o princípio legal que fazia daquela mulher uma pecadora. O que Jesus faz é tão somente demonstrar uma atitude que se mostrará como um ponto fora da curva. Mas, numa atitude que reflete que esta curva ainda é, ou continua sendo o referencial. Foi por isso que enfatizei que na atitude do mestre o que se destaca é o fato de que nele existe acolhimento e perdão. E o perdão é a palavra chave e elemento hermenêutico fundamental.

     O pecado continua sendo pecado para Jesus e a lei que é o princípio que revela se há ou não transgressão ou pecado, continua sendo a mesma. Conquanto os princípios reguladores de nossa vida em busca de retidão não possam ser violados ou omitidos por quem quer que seja, eles não podem nos tornar desumanos e insensíveis, a ponto de fazer com que eles sejam extremamente punitivos. Para se ter a percepção que independente do pecado ser grande ou pequeno, ou até mesmo de quem seja este pecador. O ato de acolher aquele que se encontra em tal situação, é um ato de amor. Jesus aceitou deixando que fosse tocado por aquela mulher pecadora. Isto se chama acolhimento, isto se chama amor. Ao mesmo tempo que também ela se sentiu acolhida, ela também retribuiu sua gratidão na mesma medida. É essa lógica matemática que relaciona proporcionalmente o tamanho da retribuição e amor ao tamanho do perdão recebido que o anfitrião da casa e fariseu não conseguia entender.



III - Um sistema religioso que sabe racionalizar o problema chamado pecado e distribuí-lo socialmente(V.V.44-47).


     Antes de mais nada, vale ressaltar que o Senhor Jesus que pode ser considerado como um convidado de honra para aquela ocasião. Começa reclamando do tipo de receptividade que encontrou ao chegar a casa do fariseu Simão. Ele reclamou pessoalmente com Simão da forma como foi recebido já que o mesmo não lhe ofereceu água para banhar os pés e as mãos e muito menos uma loção balsâmica para que tivesse sua cabeça ungida. Podemos passar por situações semelhantes. E quantas vezes já estivemos em algum tipo de festividade, até mesmo entre familiares e tenhamos saído de lá com algum tipo de sensação ou pressentimento de que não fomos bem tratados? Pois bem, foi o fariseu que insistiu para que o Senhor fosse jantar em sua casa. No minimo, ele deveria, enquanto anfitrião, providenciar todo conforto possível para a ocasião e para o principal convidado. Porém, não foi isto que aconteceu.

     Tudo que o Senhor Jesus argumenta com Simão a cerca do que ele deixou de fazer para com ele como convidado em sua casa, aquela mulher, tida como pecadora pelo próprio Simão, estava fazendo com Jesus e por Jesus. Segundo o próprio Jesus movida por um intenso amor. E é exatamente neste momento que o Senhor Jesus estabelece uma relação entre amar e pecar. Mas, não uma relação racionalizada e aceitável, do tipo social, tal como aquela que estava em vigor até mesmo no interior da casa de Simão, o fariseu. Esta relação entre amar e pecar é o que se pode dizer da prevalência de um em detrimento do outro. No caso efetivo da mulher pecadora o seu grande pecado foi proporcionalmente medido pelo seu intenso ato de amar. Foi exatamente essa proporcionalidade que foi capaz de não apenas produzir perdão de pecados bem como mensurar que o perdão estava atrelado a intensidade com que aquela mulher revelou seu amor ao mestre.

     "Quem ama aos outros cumpriu a Lei" é o que Paulo em Romanos 13:8 afirma em tom categórico. Amar é o grande segredo, e não deveria ser segredo. Pelo contrário, deveria ser a práxis de todos. Falar de praxis deveria ser uma regra básica para a vida cristã. Em meus tempos de seminário tive um professor que sempre que podia repetia aquela máxima de que o cristianismo é a religião mais materialista que se pode imaginar. Pelo fato de que para ser cristão há uma necessidade premente de se testemunhar. O próprio Paulo sempre ensinava às suas igrejas a necessidade de uma vida irrepreensível ao olhar de todos, tanto aos de fora quanto aos de dentro. E ainda exortava dizendo quanto a uma fé sólida e perfeitamente prática: "Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem." (Romanos 12:21).

     O problema de toda racionalização é sempre o mesmo. Quando os princípios e ou pressupostos legais vigentes na Lei passam por um processo de focilização ou petrificação. Casos e situações tais como esta experimentada pela mulher se repetem continuamente. A julgar pelas imperfeições apontadas por Jesus desde que chegou em casa de Simão. Podemos deduzir que sua casa não era uma casa acima de qualquer suspeita quando o assunto é o pecado. Jesus se queixou do tipo de recepção. Deve ter percebido também algum tipo de animosidade em relação a sua pessoa. E isso não fazia parte dos costumes da época quando se hospedava alguém em sua casa. Agora isto, é perceptível que também houvesse algo de maquiavélico arquitetado em relação a sua pessoa. Afinal, todos tinham conhecimento da condição de pecadora daquela mulher e não qualquer tipo de manifestação que pudesse alertar, caos fosse este o caso, quanto a sua presença.

    Pois bem, sendo aquela mulher o pecado em pessoa. Sendo o único objeto hostil e de má reputação naquela casa. As coisas deveriam ser conduzidas pelo anfitrião da mesma forma e com algum critério. Mas, como fora dito no tópico que que assinala e orienta a condução nesta parte do sermão. O que podemos efetivamente deduzir, nos dão conta de que com o que chamamos de racionalização apontamos ao fato de que ao olharem todos daquela casa para a mulher, era como se o pecado apenas nela habitasse. Ela e todas do sexo feminino são elementos catalizadores e por onde também são canalizados os argumentos que apontam a sexualidade feminina como a origem de quase todos os males ou pecados. Quando se faz referência ao adultério a ênfase recai apenas como um fardo que a mulher tem que carregar. Fala-se muito mais em prostituição tendo a mulher como uma das partes mais ativas nesta prática de pecado. E até mesmo quando se fala em divórcio a ênfase recaia sobre quem despede quem, e neste caso, mais uma vez a pessoa despedida com carta de divórcio é mulher.

     Pode ser, e por conta de toda essa carga listada no parágrafo anterior, que o Senhor Jesus, também olhando e analisando está situação de uma maneira tão racional, foi capaz de proferir uma palavra de perdão as àquela mulher. Era muito pesada a opressão sobre ela. Ao mesmo tempo, e pelas razões que também aqui foram colocadas, ela também tinha a necessidade de ser acolhida e viu essa oportunidade ao saber que Jesus estava na cidade e que estaria presente em casa de Simão. A crítica a rigor, que entendo esteja sendo feita por Jesus a este sistema religioso representado nesta casa pela figura de Simão, seu anfitrião. Não é necessariamente por causa da racionalização do pecado operada pelo sistema religioso e sim pela forma injusta com que as cargas pesavam mais sobre uns do sobre outros. Principalmente se entendermos que Simão, por ser fariseu, constitui-se em um dos principais operadores desse sistema.

     Assim Jesus oferece a mulher a alternativa de se sentir aliviada, perdoada, livre do sistema opressor que sabe racionalizar o peso do pecado, mas na hora de redistribui-lo se torna injusto e opressor. Ou seja, aqueles a quem o sistema religioso pouco oprime, são aqueles que pouco amam, por não se sentirem na condição de pecadores tal como aquela mulher se sentia. Foi exatamente está lógica utilizada por Jesus que foi capaz de pronunciar o perdão dos seus pecados. Não qualquer tipo de benefício da parte de Jesus para aquela mulher e muito menos a intenção de omitir o pecado dela ou de quem quer queira se aproximar de Jesus. O que há é uma adequação de uma sistema religioso de tal forma que ele seja justo para com todos desde que sejam resguardadas as liberdades individuais de cada um.



IV - Um sistema religioso que não subsiste ao ato de fé.(V.V. 48-50)


     Não há dispositivo de controle social que, por mais que seja eficiente, consiga submeter, subjugar a atitude de alguém que descobre ser capaz, em confiando em algum princípio em plena adesão por outros, ou até mesmo confiando em alguém que com dignidade lhe transmita confiança. Não podemos cometer a leviandade de acreditar que podemos viver se não temos um sistema. Os sistemas existem enquanto regulação de nossas relações sociais. Por exemplo, não sobrevivemos enquanto seres humanos no meio de um grupo se não dispomos de um sistema como a língua. Onde convenientemente entramos em um acordo para a celebração de um código pelo qual e através do qual norteará nossa comunicação.

     O sistema vigente enquanto norma era o código assim denominado de Lei Mosaica. É ele que, se por acaso algum daqueles cidadãos dos tempos de Jesus transgredisse algum preceito legal poderia ou seria passível de culpa e, dependo do tipo de transgressão, a penalidade poderia ser a pena máxima e capital que era, em casos de adultério, por apedrejamento. Os evangelhos jamais apresentaram Jesus como alguém que quisesse burlar ou se furtar a observância da Lei. Por outro lado, ele nunca se negou a observar o preceito legal tecer algum tipo de comentário, e até mesmo reinterpretar esse mesmo princípio legal. No evangelho de Mateus o mestre esclarece que seu objetivo não era o de abrogar ou abolir a Lei e sim de reinterpretar o princípio legal nela presente, assim como o espírito que foi capaz de inspirá-la(Mateus 5:17).

     Mas, há algo em Jesus que ainda não fomos capazes de reconhecer como uma de suas principais virtudes. Quando em seus embates acerca da aplicação e validade da Lei. E isso me chamou a atenção desde muito jovem. Foi posto em destaque por um mestre que tive no seminário. E dizia respeito ao lado humano de Jesus. Dizia este mestre que no embate entre a instituição e indivíduo, Jesus sempre se posicionava favorável ao indivíduo. O bom homem, fiel cumpridor da le,i não se omite, ou se furta, se num dia de sábado, ele tenha que fazer algum esforço, desde que este esforço esteja na razão direta de se fazer um bem a seu semelhante.

     Jesus se valia até mesmo de exemplos que se encontravam em relatos de textos do Antigo Testamento. Aquele texto que faz referência ao fato de que Davi e seus homens estavam famintos e estando no interior da casa de Deus se alimentou dos pães da proposição que não lhe era lícito comer, senão os próprios sacerdotes(Mateus 12:1-7). É evidente que a intenção ao fazer menção desses fatos tem como objetivo manifestar a forma como o Senhor Jesus valorizava a vida de cada indivíduo. Ao mesmo tempo que, com a única intenção de se valer de uma forma pedagógica a cerca da Lei, observar a maneira mais humana que ela deveria ser vista. O que faria com que ela fosse soberana, porém, sem que fosse impositiva e injusta.

     Dessa forma, a Lei e o que fazia com que aquela mulher fosse considerada pecadora, não estava e jamais seria invalidada. O princípio legal estava em plena vigência. Acho que esse, afinal de contas, deve ser o único ponto em que todos concordam unanimemente. Porém, a forma de interpretação e a consequente aplicação do princípio legal era e sempre foi o ponto de discórdia entre Jesus e todos aqueles que se intitulavam operadores da lei. O elemento que se constitui como diferencial entre Jesus e o anfitrião da casa, que era um fariseu. Era que a aplicação da lei, ou do princípio legal era feita com o mais puro dos sentimentos e que envolve a afetividade. Eu estou falando amor. 

     Pegando gancho na carta de Paulo de I Coríntios 13:13, dá para concluir que se aquela mulher tinha fé, esperança e amor. Não necessariamente que as coisas tenham que avançar nesta sequência. Poderia ser esperança, amor, fé. É fato que eles devem caminhar juntos. Porém, se qualquer um deles for suprimido as coisas não caminharão bem. Mesmo assim, o apóstolo é categórico em afirmar que o maior deles é o amor. Todavia, todo este processo que culmina na declaração de Jesus de que os pecados daquela mulher eram perdoados. Foi desencadeado pelo seu ato de fé e esperança e porque muito amou estar ali diante do mestre.

     A fé demonstrada por aquela mulher não brotou dos estereótipos que a ela eram atribuídos. Quem estava diante do mestre era um ser humano que, independente de sua sexualidade e todos os estereótipos e caricaturas que a envolviam, clamava por misericórdia. Enquanto pessoa, queria ser acolhida. O perdão também não soa como um faz de contas fundamentado nesses estereótipos. O perdão brota daquele que pode perdoar para aquela que clamava por perdão.

     E foi justamente este tipo de atitude que foi capaz de derrubar aquele sistema religioso. Ele ruiu, desmoronou porque não resistiu a fé proposicional daquela mulher. Ou seja, nenhum sistema religioso subsiste ao ato de fé daquele que busca e aceita, de acordo com os preceitos contidos e encontrados na escritura, andar em novidade de vida para que tenha uma vida irrepreensível.



Conclusão


     Tenho a nítida consciência de que esta temática é de extrema responsabilidade. E, a princípio, cabe aqui os devidos esclarecimentos quanto a proposição de uma temática tão delicada e extremamente volátil como esta. Alguém poderia dizer que estes esclarecimentos deveriam ser feitos logo na introdução. Que seja na introdução ou como está aqui na conclusão. O importante é que eles estão sendo feitos. E o primeiro deles a ser feito é no sentido de deixar claro que inexiste qualquer objetivo que não seja o de edificação de vidas, e por edificação entende-se maturidade. Fazer menção a maturidade tem como objetivo deixar claro também que não me furto ou me escondo, para não responder às grandes questões que têm sido colocadas para debates sob a tutela de algum tipo de preceito doutrinário e ou dogmático.

     Quando não se fala ou alguém se omite deliberadamente falar a cerca de algum sistema religioso justaposto na história e que esteja atrelado a alguma grande expressão de fé e religiosidade. Uma das principais explicações para tanto, prende-se ao fato de que há mais facilidade de se ater aos registros históricos desde que, a rigor, eles se vinculem a alguma personalidade histórica. No mais, a única forma, no nosso caso, de estabelecer uma ponte entre o sistema religioso vigente nos tempos de Jesus com a figura histórica de Jesus ocorre pelos embates dele Jesus com aqueles, tal como o fariseu anfitrião, que representavam e reproduziram o sistema operativo da Lei. Na ausência desses embates seria quase impossível estabelecer uma relação desse sistema religioso com sua própria historicidade.

     Outro fundamental esclarecimento que precisa ser feito diz respeito ao fato de que esta prédica não tem por objetivo decretar o fim da religião, ou do sistema religioso que a viabiliza e chancela enquanto prática e norma social. Quando se fala de fim desse sistema se leva em conta os ensinamentos de Jesus e a observação de que apenas e tão somente com o cultivo e prática do amor se pratica a boa e eficaz religião. Se faz dela não apenas um fim em si mesma. Pelo contrário, faz-se dela um instrumento de prática para o exercício da misericórdia. Longe e livre das amarras de seu caráter impositivo, heterodoxo e heteronômico.

     As amarras da religião e seu sistema heteronômico se desfazem com a prática do amor. Foi o que fomos capazes de ver ao nos debruçarmos sobre este texto tendo em vista o alcance desse objetivo específico. Entre o reconhecimento formal de nossas obrigações com o cumprimento da lei, naturalizada em nós pela obrigação de sua observância. Lei esta que é o elemento moderador em nossas relações sociais, culturais e religiosas. Tem que existir também a medida certa do bom senso para que a partir das relações interpessoais que surgem dessa norma previamente estabelecida tenhamos a melhor das convivência. E assim, apenas e tão somente assim, seremos capazes de vislumbrar aquela comunhão e advindo daí cultivarmos o espírito comunitário.

     



       Diferentemente de algumas figuras da história tais como Sócrates, por exemplo, que é trabalhado e pensado tão somente em um universo acadêmico e filosófico. O que acontece com Jesus, é que o cristianismo fez de um Jesus de Nazaré(Também conhecido como Jesus histórico), não necessariamente um Cristo da Fé na atualidade. Fizeram dele uma caricatura. 

     Se apropriaram dessa caricatura, e, sequer imaginam, ou passam por suas cabeças não pensantes que alguém queira estudar, buscar, e, quem sabe, levantar as fontes sobre essa figura em sua perspectiva histórica que, a rigor, não tem nada em comum com essa caricatura de propriedade dos vários grupos e seguimentos cristãos. 

     Explicar para eles que a Bíblia é um dos principais instrumentos de pesquisa na busca do Jesus Histórico é uma tarefa quase impossivel. Pois, para estes é o mesmo que cometer violência e sacrilégio contra o texto sagrado..

Fiquem com a fé!!!

  Texto - Hebreus 12:1-16 Tema - Fiquem com a fé!!! ICT - Assim como essa grande nuvem de testemunhas do passado. É nosso dever e obrigação ...