Na segunda-feria dia 06/08/2018, aconteceu o segundo dia de audiência pública do STF para a construção de instrumentos jurídicos daquela corte com relação a ação impetrada pelo PSOL junto à mesma:

O embrião ou o feto não possuem status de pessoa constitucional, conforme já estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, e por isso eles só têm proteção infraconstitucional. Mas essa garantia não pode ser desproporcional, e deve respeitar dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres, e a promoção de não discriminação.
É o que pede o Psol, em conjunto com o Anis – Instituto de Bioética, que ajuizaram nesta terça-feira (7/3) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no Supremo para pedir que o aborto feito nas 12 primeiras semanas de gestação não seja considerado crime. Atualmente, a prática só é permitida se a gestante tiver sido estuprada, se a vida dela estiver em risco ou se o feto for anencéfalo.

     A intenção ao fazer alusão a este segundo dia de audiência no STF, recai especificamente sobre algumas considerações, penso eu de caráter teológico, no tocante a fala da Senhora Lusmarina Campos Garcia. Pastora da Igreja de Confissão Luterana no Brasil. Que apresentou a partir de duas perspectivas as quais fazem parte de seu horizonte de formação acadêmica, os motivos que a levaram a defender a descriminalização do aborto naquela audiência pública: O primeiro de natureza bíblica, teológica e pastoral, onde afirma que a Bíblia não condena quem aborta. E que a efetiva condenação das mulheres que praticaram aborto é o resultado de uma hermenêutica produzida por um cristianismo patriarcal. 

     É fato que uma parte das tradições religiosas são construções históricas, conforme bem colocou a pastora. Mas eu teria dificuldade em entender que esta parte das tradições religiosas é tanto a que insiste em reproduzir um estigma de violência contínua contra a mulher e, de igual modo, uma outra parte que não se opõe a um prática abortiva como se tal prática não resultasse também em violência contra a própria mulher. A pastora ainda faz menção que os principais argumentos contrários ao aborto são todos de natureza religiosa. 

     A outra perspectiva colocada em questão faz parte daquilo que ela indica como laicidade e dessa forma, embora a laicidade do Estado seja fator de extrema importância para o conjunto das pessoas que vivem em sociedade. A sua fala propõe uma paridade entre este conjunto das tradições religiosas que são construções históricas e que interferem politica e institucionalmente de uma maneira dominadora e inquisitorial contra as mulheres; e de outro lado o sentimento proporcionado pela laicidade do estado que oferece às mulheres o direito de serem donas de seu próprio corpo.

     Sua alusão a teólogos e teólogas que desde o início do século XX e entrando pelo XXI, os quais têm produzido leituras hermenêuticas tendo como chave instrumental e linguística dessas leituras a perspectiva de gênero e que põe por terra aquilo que se chama de ideologia de gênero a partir dessas leituras. Para ela: "Gênero é instrumental de análise das relações humanas e sociais". Então, ela conclui que se aproxima do texto bíblico com o instrumental de análise que ela cunha de 'Gênero'.

     Ao listar que existe no texto bíblico apenas dois textos que tratam ou mencionam o aborto. Ela cita Êxodo 21:22, onde em meio a briga de homens, se num determinado momento dessa briga, uma mulher for ferida e tiver que abortar o agressor terá que pagar uma indenização pelos danos arbitrada pelo o marido. A partir de tal perspectiva a pastora conclui que neste caso, a perda da criança não será penalizada como crime contra a vida humana, já que o feto não era considerado como ser vivo e sequer será passível de pena capital o suposto agressor como era prevista na tão conhecida Lei de Talião. 

     O outro texto é o de Números 5: 12-31 onde há descrição de um ritual religioso presidido por um sacerdote. Por conta de uma querela entre casais e esta movida pelo marido apontado no texto como de espírito ciumento. O texto, neste caso, aponta para uma cena de violência contra a mulher e movida sim, quem sabe, por alguns caprichos do marido, a parte queixosa. Algo parecido com este ritual posteriormente conhecido como JUDICIUM DEI(Juízo de Deus) vigorou por todo o mundo antigo e alcançou o período medieval. 

    É também chamado de ORDÁLIO,  e visa por meio de elementos da natureza produzir algum tipo de prova judicial. Porém, no texto em questão, ele mostra uma peculiaridade. Pois a ingestão de um líquido não tem paralelo em outras culturas para produção de provas somente no cerimonial da lei de Moisés. Sinceramente, eu não vejo no texto a questão do aborto e muito menos o classificaria como um aborto ritual. A própria pastora afirma que o problema não era o aborto e sim a infidelidade da mulher.


     Ainda sobre a questão da ingestão de um líquido administrado pelo sacerdote, não omitindo que com isso há uma cena de extrema violência contra a mulher. Entretanto, essa violência intimidatória poderia se justificar no sentido de conter qualquer tipo de infidelidade  tanto da mulher quanto do marido em solicitar uma espécie prova como esta. O objetivo poderia ser o de não se chegar às vias de fato. Até porque o texto propõe este tipo de ritual na eventualidade de que tal fato possa acontecer. Isto posto, existe um caráter condicional neste tipo de ritual. Por isso, acho estranho o atributivo de aborto ritual. 

     Ao que parece, a prática abortiva, neste caso, era perfeitamente praticada sem a necessidade de qualquer tipo de ajuizamento religioso e/ou moral. A pastora então, segue sua fala adicionando agora uma passagem bíblica do Novo Testamento registrada em I Coríntios 15:8. Nesta passagem encontramos Paulo falando de sua condição de apóstolo e de como de uma forma inoportuna ele alcança tal status. Ou seja, ele fala metaforicamente, e, nisto tenho que concordar com a pastora, pois sua fala se enquadra no esquema de uma metáfora. Dada a sua presença entre os apóstolos como inoportuna, e creio que todos sabem do porque de sua situação.

     Pois bem, é a partir desses três registros de relato bíblico que a pastora conclui que o aborto não é condenado biblicamente por não ser considerado crime nem pecado. E muito menos uma determinação de quando a vida começa. Ela ainda lista algumas outras situações abordadas nas escrituras e que justificam a não determinação por parte das escrituras de quando a vida começa. Cita mais especificamente o Salmo 139:16 onde há uma referência a palavra EMBRIÃO. 

   E foi buscando, a partir de uma provável exegese hebraica, a apropriação de tal terminologia no verso 16 do Salmo 139, e, em se apropriando exegeticamente do vocábulo GHOLEN(Não sou hebraísta e portanto não posso precisar a cerca da transliteração do termo), que a SEPTUAGINTA traduz por AKATÉRGASTÓN  que do ponto de vista de sua estrutura mórfica, é formado de um alpha privativo com ideia de negação_ Gramaticalmente é um caso de acusativo, ou seja, o salmista está dizendo que os olhos do Senhor o viram quando ele ainda era uma(vida inacabada, ou em formação). 

     Prefiro a abordagem em que tanto a referência ao olhar  do Senhor sobre a vida ainda em formação e no útero da mãe, desde uma perspectiva e narrativa do salmista, e já descrevendo o seu relacionamento com Deus; àquela que a pastora coloca como sendo uma matéria imperfeita e inacabada como o barro nas mãos do artista, uma substância ou matéria informe. A pastora, então, descaracteriza enquanto pessoa esta substância, como uma matéria desprovida de personalidade, chamando-a de matéria informe. 

     Eu poderia e posso fazer a mesma leitura afirmando que é uma vida em formação, já que o contexto dessa narrativa contempla um arrazoado(Monólogo)do salmista e sua experiência com Deus desde o momento de sua fecundação e em uma situação de embrião. Uma leitura racionalista como esta, nos impede um olhar de cunho existencial e estético. Ou seja, não dá para, tão somente e a luz de uma racionalidade oriunda no ILUMINISMO, ser determinante e categórico em algumas posições éticas e morais. E tendo por base três referências bíblicas e se orientando por um referencial denominado de "Gênero". 

     Ela também cita a existência de dez textos que tratam do conhecimento de Deus sobre o homem desde o ventre, mas nenhum deles se refere ao momento específico da HOMINIZAÇÃO. Assim, segundo ela, não é possível querer dizer o que a Bíblia não diz. Segundo ela, aqueles que consideram que a vida começa no momento da concepção, buscam no quinto mandamento: "Não matarás", o ajuizamento moral, ético e criminal das ações de quem interrompe a gravidez.

      É muito estranho que numa tentativa de exegese da pastora Lusmarina, principalmente quando se trata de uma exegese veterotestamentária, ela lance mão de conceitos como este da 'hominização'. É o típico conceito introduzido a partir das ciências modernas, e este alavancado pela pela cultura iluminista e a expansão racionalista. No mínimo, e, a partir de uma perspectiva como esta, a única coisa que se pode fazer é sintetizar em que momento do processo evolutivo a que chegamos, sem contudo, pronunciarmos algum juízo de valor moral 

     Todavia, para a pastora Lusmarina, quinto mandamento não tinha caráter nem aplicação universal. Já que podia se matar segundo uma gama de situações colocadas por ela. Desde o estrangeiro, o inimigo de Israel e até mesmo as mulheres adúlteras. E por conta disso, ela conclui em tom categórico, que de maneira alguma este mandamento se refere aos embriões. Ela também cita a existência de cento e oito textos no Antigo Testamento onde Deus manda matar mulheres, meninas, meninos ou varões adultos. 

     A segunda conclusão em tom afirmativo e categórico a que ela chega, é que a vinculação entre o quinto mandamento e o aborto é uma flagrante manipulação do texto bíblico. E acusa o patriarcado eclesiástico de ser quem patrocina este tipo de hermenêutica de maneira deliberada para fazer da mulher uma assassina ao descontinuar a sua gravidez. Ela aponta que a perseguição da mulher pela cultura patriarcal eclesiástica vem desde início. E começou excluindo-a de espaços importantes no seio da comunidade. Já que no movimento de Jesus elas(As mulheres) tinham sido parte integral desse movimento e de sua liderança.

     Esse lado proativo dado a mulher pelo movimento de Jesus foi bruscamente desconstruído a partir do momento que o cristianismo passou a ser a religião do império. Com isso a mulher foi alijada, inclusive, do processo de redação, recompilação e canonização dos textos bíblicos. É inegável que a mulher sofreu e vem sofrendo violências ao longo dos séculos, porém fica difícil concordar com esta afirmação da pastora quando afirma que a mulher foi inclusive alijada do processo de formação do Cânon. Sem um dado histórico factível, eu não teria como concordar com esta afirmação 

     Não dá, inclusive, pra descartar um dado que é muito importante quando se fala de um texto com riquíssimos recursos estilísticos e de e de uma incomparável beleza poética que são os Salmos. Esses recursos que atribuímos e os enquadramos sob a ótica de uma arte como a ESTÉTICA. E que segundo a visão tanto platônica quanto aristotélica, os quais não desvinculavam o estudo da estética da lógica e da ética. Era um tripé calcado no belo, bom e no verdadeiro. E que por causa de sua formação dentro de uma tradição humanística, talvez impeça a pastora de fazer uma análise mais centrada do ponto de vista da polaridade muito presente em sua fala. 

     Quando a pastora Lusmarina afirma que sua fala estava pautada por uma formação de caráter teológico e outra com base nos direitos fundamentais, ou civis. Sendo que este último remonta à tradição humanista inspirada principalmente no ILUMINISMO. Ela também sinalizou sua opção por um teor de discurso, diga-se de passagem, à revelia do texto bíblico, e muito embora sua abordagem junto ao texto se configure, segundo ela própria, por um instrumental linguístico-hermenêutico que ela denomina gênero. O seu referencial de leitura revelou-se inapropriado.

     É inapropriado, por exemplo, quando faz juízo de valor. Não bastasse o tipo de leitura imposta ao texto bíblico desde uma perspectiva evolutiva-progressista, típica da razão iluminista que descarta alguns outros aspectos e nuances de caráter existencial, moral e até mesmo espiritual quando trata do processo de construção dos acervos da cultura humana e as suas muitas especificidades e pluralidades. Isto fez com que ao listar os três textos que tratam sobre o aborto na Bíblia, descaracterizasse os mesmos de seu aspecto normativo e proibitivo.

     Nós não podemos fechar os olhos e omitirmos que ao se falar de violência em todos os momentos e ciclos da história, esta violência, em boa parte, é direcionada à misoginia. Nas guerras são pela ordem mulheres e crianças as que mais sofrem com a violência. E entre estes relatos de violência, os estupros estão sempre em evidências ocupando e encabeçando todas as listas. Vale lembrar que a escritura jamais foi condescendente com a cultura do estupro e há exemplos bastante emblemáticos de como o estupro foi tratado na cultura religiosa e  social em Israel, onde o estuprador jamais teve um final feliz: Deuteronômio 22:25-29; Juízes 19-20; II Samuel 13).

     É fato que desde que a igreja passou pelo processo de institucionalização, ou como queiram, de constantinização, ela também construiu uma cultura do patriarcalismo. Com isso, no transcurso dos séculos as mulheres foram alijadas e culpabilizadas pela entrada do pecado no mundo. Também foram demonizadas como bruxas e esvaziadas de sua condição de ser autônomo. Por outro lado, não dá para a partir de um brevíssimo panorama de análise da história, segundo as palavras da própria pastora. Onde, de fato, foram colocadas algumas situações históricas pertinentes a situação de ignomínia a que as mulheres foram sim submetidas, para concluir e entender categoricamente como se construiu a história.

     Pra encerrar, e retomando a questão do quinto mandamento quanto a ser manipulado ou não por uma hermenêutica de caráter patriarcal, é bom que se esclareça que, muito embora, algumas situações relatadas em diversos outros documentos que não fazem parte sequer do registro escriturístico(Em especial o VT), porém que dão conta do tipo de abordagem hermenêutica a cerca deste quinto mandamento. E que não conferem com a afirmação categórica da Pastora Lusmarina Campos Garcia. 

     Para ser bastante atual e buscando uma referência antenada com este tempo. Achei este comentário que segundo o seu comentarista ilustra muito bem o que um Rabino moderno da nova geração pensa sobre o aborto quando interpreta a história e a cultura de seu povo. O rabino em questão é Nilton Bonder: 

Segundo o Rabino Nilton Bonder, no livro "A alma Imoral", isso se dá porque quando os romanos invadiram o terridório Judeu estupraram muitas mulheres judias, visando, com isso, "roubar" dos Judeus, além do território e dos bens, também a descendência. Em razão disto, e por serem avessos ao aborto, que fere o mandamento divino de preservação da vida, passaram a admitir que a descendência judia se transmitia pelo ventre materno. Foi a forma de não terem furtada, também, a sua descendência. 
Shalom. 
Paz para Israel.**




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*RODAS, Sergio. Revista Consultor Jurídico
 conjur.com.br. 08/03/2017
**YAHOO, Respostas. Por que a descendência judia se dá pela linha materna?

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