CENTRALIDADE E EIXO GRAVITACIONAL DO CULTO PROTESTANTE



     Este texto segue uma sequência iniciada pelo texto anterior(Liturgia - Emblemática e crucial para os tradicionalistas), onde abordei algumas questões litúrgicas próprias do catolicismo romano. Ainda não sei e não tenho como prever se acontecerão outros tantos que darão sequência a este e consequentemente ao anterior. Por outro lado, a referência na abordagem inicial e temática ao termo culto em detrimento do termo liturgia não é tão somente uma opção que levo a cabo. Ele está muito mais identificado com nossa tradição protestante. No texto anterior fiz questão de enfatizar que minha abordagem era constituída por alguém com um olhar, mesmo desprovido de percepções pré concebidas, de fora do contexto católico romano.

     O objetivo neste texto é uma análise a partir da centralidade conferida a palavra, ou sua pregação, enquanto palavra de Deus. Evidentemente que essa busca precisa obedecer a uma ordem cronológica e histórica de princípios que, entre outras coisas, desconsidera as intermináveis questões levantadas pelo labor teológico. Acima de tudo o labor teológico bíblico-exegético(KUMMEL, Werner Georg. Introdução à Teologia do Novo Testamento, p. 668), por onde o protestantismo tem se enveredado com muito mais argúcia nos últimos duzentos anos. Neste caso, é necessário que se faça uma distinção entre essa tradição protestante, já que ela não se constitui como uma regra neste universo extremamente fragmentado do protestantismo. Porém, sua origem está ligada àquele momento de surgimento e por onde se desdobrará este aspecto distintivo de  seu desenvolvimento histórico. 

       Por outro lado, este olhar de fora, não me impede de trazer a público algumas considerações que foram elencadas no texto anterior. E que fazem parte, dado o grau de influência do catolicismo na América Latina, de nossas relações políticas, sociais e culturais. A referência à vigência de uma lei como a do Padroado, que por mais de duzentos anos foi o único referencial de um sistema de formação pedagógica e educacional do homem latino americano, em especial no Brasil. E que dá ainda dá sinais claros de influência até nossos dias no próprio sistema educacional brasileiro tido como leigo. Dá muito bem a dimensão da nossa antropologia latino americana e sua classificação baseada numa hierarquia religiosa que persiste até hoje. E que atualmente ainda exibe a tentativa de se reproduzir este ambiente do passado. Que para alguns católicos tradicionalistas, foi um passado glorioso.

      Por conta desse passado glorioso, fiz também algumas colocações a cerca do protestantismo produzido aqui na América Latina que se comparado ao estabelecimento do catolicismo, a meu ver inexiste. Especialmente no Brasil, ressalvei que é um caso a parte. O protestantismo por aqui vivido é esdruxulo e completamente híbrido, mesmo que alguém possa contra argumentar indicando o seu crescimento numérico. E este é outro tópico que pode muito bem ser explorado em uma outra oportunidade. A tal ponto que há muito mais semelhanças do que diferenças entre o evangélico protestante do dias atuais e este catolicismo popular de quase quinhentos anos que para cá se dirigiu.  

         Se a Reforma Protestante e o seu projeto de disponibilizar a Bíblia para cada alemão promoveu uma revolução social de tamanha envergadura que o que se vê atualmente na sociedade alemã é uma sociedade moderna e de vanguarda. Ao olharmos para a nossa realidade latino americana e compararmos o patamar de desenvolvimento social e humano de um continente que esteve a mercê das duas principais nações católicas e europeias e sob as bençãos papais. Dá para imaginar que podemos optar por um futuro melhor e com dignidade desde uma perspectiva e opção religiosa que seja capaz de produzir uma teologia que leve em consideração as ciências humanas, em especial, as ciências sociais. Ou seja, perspectiva e opção de um futuro melhor está muito relacionada à formação pedagógica e técnica de um povo. E por conta disso fui capaz, mesmo ao fazer referência a presença protestante na América Latina, de assinalar que esta presença praticamente inexiste. Pois efetivamente não trouxe nenhum resultado a nível de ganho social no âmbito das relações coletivas. 

         Sou levado a aceitar uma proposição de caráter progressista a cerca da América Latina que se baseia em aspectos de análise e comparação histórica desde que os colonizadores por aqui chegaram em uma condição de exploração e espoliação de sua população mais pobre. No passado, esta situação poderia ser descrita como um projeto de ocupação geo política e estratégica. Mas o resultado foi um descabido e desproporcional uso da força com o objetivo de subjugar os povos que aqui se encontravam e provocou como efeito imediato o genocídio da população ameríndia. Mesmo que mais tarde os antropólogos e historiadores ao estudarem os povos da América pré colombiana tenham concluído pelos próprios sítios arqueológicos que restaram, que algumas etnias possuíam um grau de desenvolvimento bastante avançado e dominavam inclusive a escrita. Nada disto foi levado em consideração. Pois o que se instalou por aqui foi um povo opressor com mentalidade de guerra e com ideais de pureza que essas culturas, conforme critérios do invasor, não possuíam. Era uma mentalidade de um EXÉRCITO DE CRUZADOS.

        Então, pra se falar de um tema como este(Centralidade do culto protestante)que historicamente é o ponto axial da teologia e da dogmática protestante, existe a necessidade de um arcabouço histórico deste ambiente latino americano, pois muito embora a abordagem das liturgias(Católica e Protestante) se distingam entre si, entretanto, estamos falando de um mesmo ambiente e contexto social. Precisa haver também um cuidado redobrado tendo por base a missa católica como elemento comparativo, uma vez que, os primeiros serviços litúrgicos que são as missas católicas, ou cultos cristãos por aqui celebrados foram presididos por sacerdotes católicos. Pois bem, tanto a missa antiga quanto a nova que, muito embora sendo acusada e criticada como protestantizada, ainda têm como fundamentação e construção dogmática a celebração da eucaristia. E é esta característica apontada na missa católica que assinala seu caráter apostólico.

     Vale lembrar que o ponto nevrálgico da teologia cristã, bem como de sua religiosidade, é a sua tradição apostólica e a mensagem da morte e ressurreição do Cristo preservada por ela. Isto é ponto pacífico tanto para católicos quanto para protestantes. É a partir dessa única abordagem religiosa colocada sob a ótica dessas duas polaridades, que o Cristianismo consegue produzir desde que haja, por conta dessa sistematização, duas hermenêuticas que transitam de pontos focais diferentes. A sistematização aqui responde pelo nome técnico de Teologia. Há, portanto, duas teologias também presentes na América Latina? Sendo que uma é representada pelo catolicismo e outra pelo protestantismo? Eu diria que não, pelo fato de que o que se evidencia, mesmo que observando de fora, são elementos de ruptura no próprio catolicismo e pelas razões que já foram dadas no texto anterior. E muito menos ainda do lado protestante, pelo fato de o mesmo ter sofrido desde o cisma do século XVI um processo de fragmentação.

          O fato é que desde uma perspectiva eminentemente protestante a ênfase recai quase que em sua totalidade sobre o KERYGMA, ou os dons da proclamação, uma vez que todas as partes que compõem o culto cristão protestante são uma preparação para o momento mais importante quando o ministro ao fazer uso da palavra fala em nome de Deus à congregação. No culto católico(E ou missa) a percepção do elemento querigmático é tão somente a constituição de uma de suas partes e ocorre na liturgia da palavra seguida da homilia. Este mesmo elemento no culto protestante é o ápice da reunião, onde, de forma solene, a congregação se prepara para receber a revelação divina através da palavra pregada. Deus não fala somente por intermédio de sua palavra registrada nas escrituras, pelo menos num passado quase remoto foi assim(KUMMEL. Op. cit. p. 34). Ele também fala quando o seu ministro inspirado pelo Espírito fala a congregação reunida e preparada para receber a Palavra de Deus.

       Outro dado significativo, é que o culto cristão evangélico se encontra basicamente desprovido de conteúdo imagístico e visual. Não que seja algo que inexista em nossa dinâmica litúrgica. Entretanto não há uma ênfase tão específica. Se analisarmos bem a nossa tradição teológica e dogmática esse tipo de característica imagística existe e é muito bem explorada a partir do momento quando se aborda o sacramento da eucaristia e do batismo enquanto "Palavra visível"(Dogmática Cristã tomo II). E mesmo assim não busca como objetivo tal como no catolicismo o efeito contemplativo baseado na proposição de discurso e instrução tomista. E mesmo assim tem um alcance limitado. Pois nem todas as denominações evangélicas e cristãs possuem e preservam a herança sacramentalista da Reforma. Eles têm uma identificação maior e por isso privilegiam muito mais a terceira pessoa da trindade(Espírito) que a Ele atribuem e atrelam sua ação no seio da igreja tendo como peculiaridade demarcatória para esta ação do Espírito o seu sopro inspirador e divino.

      Ainda que o discurso dos muitos grupos evangélicos no Brasil defendam e buscam estarem alinhados quanto ao papel e ação do Espírito Santo na direção de suas igrejas. Não é um fator que se possa dizer que goze de unanimidade. Desde que os meios acadêmicos, os meios de comunicação, bem como os organismos governamentais através de seus institutos de pesquisa para a tomadas de decisões quanto a eventuais políticas públicas, se debruçaram a estudar dado o crescimento numérico e expressivo deste segmento religioso no Brasil. Também houve a necessidade de um trabalho de classificação dos mesmos que considerasse a origem desses grupos, os aspectos formais de sua constituição interna, sua forma de governo e os principais elementos doutrinários. Isto contribuiu para efeito de segmentação e pesquisa com atribuições formais que distinguissem uns dos outros: Históricos, pentecostais, neo pentecostais, etc.

    Adiciona-se a este processo de fragmentação do protestantismo, a deficiência do culto protestante e de seus líderes por não perguntarem pela capacitação ou não de sua membresia em atingir esses níveis de percepção intelectiva da mensagem por eles pregada. Talvez seja este o apego a essa tradição mais enfática do Espírito Santo, que a rigor, é colocado sempre como justificativa para não se buscar uma melhor compreensão por instrumentalidade da mesma palavra e aos desafios enquanto expressão de uma religiosidade histórica. Mesmo quando nos pronunciamos a cerca de textos sagrados que versam sobre batismo ou ceia, será que efetivamente o instrumental linguístico utilizado para a construção do pensamento cristão e reformado, obviamente, e seguida de uma linguagem também simbólica é perceptível e palatável por quem a ouve? Ou a abordagem, propriamente dita, se materializa com mais claridade nas celebrações de batismos e ceia(Eucaristia), que é o ponto central da tradição apostólica ao retratarem o acontecimento da cruz?

      Essa característica e tendência de culto protestante voltada para uma dinâmica intelectiva conduziu a sua membresia para a condição de ser tão somente uma clientela que busca, conforme o seu interesse, algum tipo de situação que, neste caso, somente a religião ainda pode lhe ofertar. É uma ética individualista, racionalista e porque não dizer egoísta. Eu até acho que a partir de uma situação como esta o relativismo não é pior dos problemas e pode ser resolvido com um esforço muito menor do que esta dificuldade criada pela abordagem protestante através de seu culto que é a maneira expressiva-linguística pela qual se vivencia sua religiosidade. Esta tendência também gerou um elitismo escamoteado pelo mérito. E denunciado também por quem tinha tão somente um olhar de fora. Entretanto, com um crivo científico e sócio-histórico(Max Weber).

    Vale destacar a título de referência o pensamento Barthiano. Seu perspicaz e veemente contraponto ao pensamento tomista e aristotélico católico a cerca da construção teológico-doutrinária e que se distingue da abordagem católica romana: Analogia Fidei x Analogia Entis. Construímos nossa teologia protestante a partir da revelação acontecida em Jesus Cristo. Fundamentalmente, é interessante que se perceba a nossa incapacidade de construção teológica e, com base exclusivamente em nossa opção dogmática, já que nossa percepção e opção cognitiva, não é de baixo para cima (Teodiceia). Ao mesmo tempo que se constata essa opção, também se pode constatar o grau de influência racionalista penetrando fundo no ambiente religioso via protestantismo. A influência racionalista produziu a democratização do conhecimento via informação. Com relação ao protestantismo o efeito direto foi a diversificação e ampliação da oferta de muitas versões das escrituras Sagradas.

   Foi sempre assim e desde o início. E continua sendo uma maneira de se racionalizar a fé. Isto também trouxe características hierárquicas quanto ao nível de cognição de fiel para fiel. As celebrações deixaram de ser um acontecimento sociabilizante em torno de um mesmo evento(Cristo) para se tornar, me perdoem pelo vocabulário, um balcão de negócios e de exaltação ao indivíduo. Racionalidade em excesso gera, como já foi dito antes, uma ética clientelista. Impede que aconteça no ambiente eclesiástico o encontro efetivo do Cristo com as suas ovelhas. A atribuição por distinção entre bodes e ovelhas registrada nos evangelhos por conta da mensagem do Senhor quanto ao juízo final, aponta para o problema grave da desobediência. A ovelha em relação ao bode é um animal maleável, flexível e muito mais obediente. Um dado que pode muito bem retratar esta situação, diz respeito ao que li na aba de um romance de Sartre intitulado, Com a morte na alma, da série os caminhos da liberdade. Nesta edição, o autor desta aba ao falar da vida, obra e  perfil histórico de Sartre o qualifica como um: "Um escritor para homens sem consciência de rebanho". Ou seja, a ética produzida no seio de protestantismo e coma ilustração acima dada, oferece a oportunidade de se vivenciar uma situação que não tem relação com a vida cristã e sem espírito comunitário.

        A teologia elementar protestante é uma via de mão única e pressupõe o irrompimento como espectro da ação divina num movimento de cima pra baixo. Alude a existência do transcendente que é de onde irrompe o que ela chama de revelação, muito embora não se restrinja a tão somente uma atitude contemplativa. Ela não estabelece apenas o ministro ou pastor para a execução deste serviço litúrgico. Um leigo também pode desempenhar tal função desde que esteja preparado. Pois é sempre o Espírito que age e Ele mesmo capacita. Neste caso, a hierarquia tal qual a conhecemos na missa católica existe, mas do ponto de vista administrativo e eclesiástico, e não é necessariamente impeditiva para o desempenho dos leigos nas ações litúrgicas. Há fartos e variados exemplos, inclusive quanto a ministração de algumas celebrações que até pouco tempo atrás eram prerrogativas dos ministros ordenados, mas que tem sido também executadas por aqueles leigos mais dedicados e comprometidos com a obra. Estas celebrações, para ser mais claro, são a Ceia do Senhor e o Batismo, uma vez que em boa parte das denominações protestantes elas têm o status de ordenanças vindas do próprio Cristo, mas não são consideradas sacramentos. Como disse antes o indivíduo possui uma prevalência na observância sobre a regra de fé.

      O efeito imediato nisto é a visão de mundo bem estreita. Somado a isto a não afeição ao elemento estético e artístico e de uma maneira bem genérica uma atitude cada vez mais moralista quando o assunto é a cultura humana. Talvez seja por isso que uma das qualidades mais apreciadas e, simultaneamente, mais condenada em um teólogo protestante da envergadura de um Paul Tillich foi a sua tentativa de estar em constante diálogo com tradição e a cultura. O que não se vê com frequência na teologia protestante. Não que eles não abordem tal questão, mas o fazem tendo sempre subjacente a mesma um ajuizamento de caráter moral. E quando isso acontece não há efetivamente algum tipo de dialogação, mas o proferimento de palavras de juízo. Para tanto o que Tillich se propõe fazer é uma historicização do pensamento desde a antiguidade clássica, num movimento inicial do oriente em direção ao ocidente, destacando os principais representantes em cada época.

Soren Kiekgaard
    O propósito de ambos tanto católicos quanto protestantes é a prestação de culto a Deus. Na tradição protestante , por causa da via de mão única, onde a relação para com Deus acontece impreterivelmente de cima pra baixo. É sempre Deus que vem ao nosso encontro e isto Ele faz por causa de seu gesto misericordioso revelado em Jesus. Portanto, obedece à dinâmica marcada pela revelação onde o sentimento de pecado e de total depravação a que o homem se sente preso, o impede de prestar um culto que seja digno a este Deus. Sua dependência para com a misericórdia divina é total, advindo daí também o temor de que Deus possa não se agradar do culto que lhe é prestado e se volte contra este mesmo homem através de sua ira. Talvez seja por isso que o protestantismo que, neste caso, se distingue fundamentalmente do hierarquizado sistema católico, pôde produzir pensadores como Kiekgaard.


     O protestantismo é o resultado de um mundo em ruínas representado pelo catolicismo romano. Desde então se multiplicaram os pensadores de origem germânica. Todos basicamente forjados no voluntarismo alemão que visavam produzir de fora do universo religioso e com base num ideal aristocrático uma síntese. Este objetivo alcança seu apogeu com a dialética e síntese hegeliana. Para logo depois e do andar de baixo emergir aqueles como o próprio Kiekgaard se revoltariam passando  então a questionar o pensamento hegeliano e sua síntese filosófica. Correntes como o existencialismo, onde Kiekgaard está enquadrado como um dos seus expoentes, são exemplos daqueles que provocaram a reviravolta vinda do andar debaixo do pensamento hegeliano.

      Pode ser por isso que alguns teólogos protestantes tenham se ocupado em seus escritos da questão da culpa e consequentemente da ira divina, pois em todo o processo e desenrolar do culto que é prestado a Deus, há a pressuposição de nosso estado de depravação total e de que Deus por conta disso não recebe a nossa adoração se não for pela mediação de Cristo. O mérito ou não por tal adoração está sempre na pessoa e principalmente em sua responsabilidade individual. Deus é sempre bom e piedoso, mas se torna implacável quando o assunto é o pecado. Portanto não devemos estar debaixo  de seu juízo e a mercê de sua justiça. Por ela é que chegamos ao conhecimento de sua ira.

  Toda essa perspectiva é fundamentalmente de caráter protestante por preservar e enfatizar a responsabilidade pessoal diante de Deus. O Deus protestante está muito mais próximo do fiel do que no contexto católico com tendência a hierarquizar toda realidade. É necessário um cuidado maior com esta questão, pois dela depende todo tipo de conceituação ou ajuizamento que venhamos a fazer da realidade, uma vez que também estão presentes os pressupostos de uma racionalidade subjetiva ou objetiva(TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, p. 70).

     Num olhar ainda que muito superficial, entendo que isto se deve ao psicologismo germânico(não há como analisar a fundo esta questão neste texto. Pode ser que mais a frente, ela mereça um texto com tratamento específico sobre o assunto)que herdamos via protestantismo. Assim como o próprio protestantismo em sua terra natal, a Alemanha, é uma insurgência não especificamente ao catolicismo, muito embora, o que conta é o resultado desta insurgência e, acima de tudo, seu caráter revolucionário e religioso. Mas este tipo de insurgência está ligado diretamente à forma como o catolicismo penetrou ao longo dos séculos nas tribos germânicas e se estabeleceu hierarquicamente com base no princípio da obediência a fórmulas fixas(SEEBERG, Reinhold. Manual de Historia de las Doctrinas. p. 31).

 



 CENTRALIDADE NA PREGAÇÃO DA PALAVRA




  Uma tradição consagrada pelo tempo, pelo menos entre os teólogos, de se qualificar o protestantismo como um movimento biblicista. Está relacionada a um dos três pilares dos reformadores sob a perspectiva histórica e teológica que serviu para reforçar didaticamente a primazia da Escritura sagrada com relação a Tradição legada pelo Magistério da Igreja Católica. E independente de um ajuizamento doutrinário e teológico sobre este evento de ruptura com esta tradição. É também fato, que a partir da geração subsequente à geração dos primeiros reformadores, esta igreja recém formada, no caso específico dos Luteranos, se ressentiu muito com esta ruptura. E, portanto foi capaz de produzir uma Ortodoxia Protestante, ou fundamentalmente, o movimento de retorno ao medievalismo tão combatido pela geração de Lutero e demais reformadores.

     Falar de pregação da palavra é o mesmo que destacar sua principal virtude, o caráter expressivo da língua no âmbito da fala. Intrinsecamente, acho que quem melhor traduz isso que podemos chamar de dinâmica da palavra pregada é Karl Barth, em sua "Introdução à Teologia Evangélica" ao afirmar: "O lugar da teologia é na Palavra"(BARTH, Karl. Introdução à teologia Evangélica, p. 13). Ou seja, o nascedouro da teologia, a forma como se reflete aquilo que se chama de seu objeto(Deus), a despeito de ser simultaneamente reflexão e celebração. O elemento litúrgico não pode e não deve ser omitido neste processo. Já que segundo o próprio Barth é a Palavra de Deus e diante dela agimos de maneira responsiva.

   Um paralelo que pode ser traçado aqui, ainda sob a perspectiva e abordagem histórica de um contexto e ambiente latino americano. Tem relação entre a forma que a evangelização católica aqui se estabeleceu e já falamos que foi de forma impositiva e europeizante. E o tipo de trabalho missionário levado a cabo pelo protestantismo que se notabilizou tanto pelo convencimento pessoa a pessoa de que a salvação da alma somente acontece numa vida que se entrega a Cristo. Portanto, era necessário que o pecador saísse de sua zona de conforto proporcionada pela teologia de um catolicismo pós reforma e tridentino e tivesse um encontro pessoal com o Cristo.

  O trabalho de evangelização protestante na América Latina foi largamente facilitado pelo catolicismo. Pois neste trabalho de evangelização a estratégia básica era tão somente falar desde uma abordagem e hermenêutica protestante sobre os valores de aculturação europeia a que já tinham sido introjetados e submetidos aos habitantes desta terra pela colonização portuguesa e espanhola. E mesmo assim entendo que não rendeu resultado algum que fosse satisfatório. É evidente que ao longo dos séculos desde que também aqui chegaram os missionários protestantes, o trabalho de evangelização protestante se  houve por diversificar. E isto por conta do avanço rumo ao interior do País. Principalmente pelo trabalho junto às tribos indígenas e a investida em tornar a Bíblia conhecida entre os silvícolas onde várias missões se especializaram em verter alguns livros do texto sagrado para o dialeto de algumas dessas etnias.

   Eu não sou muito de falar dos pregadores americanos, também conhecidos como "Preachers", e muito menos morro de amores por eles, todavia eles são um exemplo emblemático do ponto de vista negativo pra tudo isso. E faço isso com relação ao que ouvi nos idos anos de 1981 quando era um seminarista de primeiro ano. O meu professor um missionário americano descerrou a seguinte pérola ao afirmar que: "Os teólogos falam muito, mas não dizem absolutamente nada". confesso que no início essa declaração foi para mim motivo de graça. Todavia, ao longo de todos esses anos, e que volta e meia reflito sobre a mesma declaração, passei a observar por um outro ângulo e partir de toda a realidade histórica que faz parte sim de minha experiência de vida encerrada sob este contexto de vida latina americana e, mais especificamente, no contexto de Brasil. E vejo que na realidade são os pregadores que falam, pregam muito e não dizem absolutamente nada.

    Eles são apenas reprodutores de alguma correntes teológicas hegemônicas e vigentes sem que efetivamente a palavra pregada reflita o produto de uma reflexão teológica própria de quem a pregue. No mais, como qualquer outro pregador nos termos de um "Preacher", o que fazem é tão somente ocuparem as posições que ocupam desde que esta dinâmica física e estrutural do ponto de vista da forma e da centralidade da palavra não se altere. Pelo menos, é o que se tem aqui como herança do protestantismo naquilo que comumente passou a ser chamado de Fundamentalismo americano. Portanto, ao fazer menção de Barth é uma tentativa de se pensar um pouco fora da curva. Até mesmo os presbiterianos são muito cautelosos ao tecerem comentários a cerca de sua teologia.

       A natureza do culto protestante é subjetivista, individualista desde a relação e encontro pessoal com Deus bem como o processo de transformação de vida por ele desencadeado. Tudo isto balizado e com fundamentação na palavra. Que neste caso, extrapola a sua condição de sacramento como no exemplo exposto a cerca do conceito de palavra visível alguns parágrafos acima. A palavra aqui que por analogia e influência Barthiana está associada a revelação de Deus através de Cristo. A centralidade do culto se constrói através da palavra e também se revela pela sua forma expressiva, por isso um tom enfático na pregação. E aquele que se torna possuidor deste dom se encontra na condição de um arauto. Pois pregar significa anunciar a boa nova, ou notícia de um reino. Mas, pregar deveria ser também o resultado sintetizado por uma fórmula latina: PREDICATIO VERBI DEI EST VERBUM DEI - A pregação da Palavra de Deus é Palavra de Deus. Será que isto já foi verdade em algum momento de nossa história e tradição protestante?

     
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KUMMEL, Werner Georg. Introdução ao Novo Testamento.
         São Paulo, Edições Paulinas, 1982.

BRAATEN, Carl & JENSON, Robert W. Dogmática Cristã Volume II.
         São Leopoldo, Sinodal, 1987.

SEEBERG, Reinhold. Manual de Historia de las Doctrinas. Volume II.
       Buenos Aires, Casa Bautista de Publicaciones, 1967.

TILLICH, Paul. Teologia Sistemática.
       São Paulo, Paulinas. São Leopoldo, Sinodal. 1983

BARTH, Karl. Introdução à Teologia Evangélica.
        São Leopoldo, Sinodal. 1981.












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