Uma leitura do evangelho de Lucas capítulo 1:1-4. Que leva em consideração minhas experiências nas reuniões semanais do grupo de pastores da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Compreendendo precisamente as igrejas que compõem respectivamente as Associações de igrejas: AIBOC (Associação de Igrejas Batistas do Oeste Carioca) e a Associação Real.


     Nossa cronologia de tempo enquanto pastores, embora pautada por um calendário cronológico e secular, diverge em alguns aspectos de ministério para ministério. Não necessariamente do ponto de vista da cronologia do ano de 2017. Mas, por conta dos nossos afazeres eclesiásticos; Ainda do ponto de vista das nossas reuniões semanais e matinais, aqui na zona oeste do Rio conhecida carinhosamente por “Café dos Anjos”. Já que estas reuniões obedecem a critérios que levam em conta um razoável nível de satisfação. E a julgar pela concorrência dos colegas por datas no calendário, diria que a satisfação de todos pelas reuniões tem sido bastante positivas.


     Pois bem, 2017 está em curso e caminha para o final do terceiro trimestre. Com isso podemos afirmar que ele está completamente mergulhado em reflexões e debates efervescentes. Não somente isso, também aprendemos com os problemas, com os erros, as dificuldades e também com a vitória de cada um dos colegas pastores. Todavia, isto tem sido possível pelo fato destas reuniões estarem nos ensinando o exercício e a prática dos compartilhamentos. Não compartilhamos o pão, senão também os nossos problemas, os nossos dilemas, e, portanto, também as nossas dificuldades.


     Nossa reunião é comumente conhecida como um café de pastores e para pastores. E é sempre muito agradável estarmos diante de uma mesa farta. Preparada com carinho e dedicação. Uma verdadeira prova de DIACONIA cristã que temos experimentado através das muitas igrejas, dos seus membros e de seus respectivos anjos, nossos colegas pastores. Apesar de, em alguns momentos fazermos algumas brincadeiras em tom jocoso com a nomenclatura que dá vida a esta nossa reunião: “Café dos Anjos”. Somos anjos sim. Não os anjos da ANGEOLOGIA, mas os anjos que servem ao Senhor como emissários humanos e portadores da palavra de Deus.


     Mas não posso deixar de falar da fartura da mesa do Senhor. Que não quer ser tão somente uma caracterização da diversidade dos elementos, melhor dizendo, dos alimentos ali oferecidos. Ela também é farta pelo alimento espiritual que nela é oferecido. Pois nela somos levados pela comunhão de Cristo a abrirmos a sua palavra (BÍBLIA) e nos deleitarmos com este manjar espiritual temperado com as experiências de quem compartilha suas explanações.


     Quando faço menção do que ficou para trás. Penso na possibilidade perfeitamente viável de um acervo de mensagens e experiências. Experiências estas experimentadas e compartilhadas. Todavia, e aí a experiência é tão somente minha. E é minha por levar a sério aquele pensamento de que quando estou diante da palavra de Deus, estou com certeza diante de Deus, pois, é impossível desvinculá-lo de sua palavra.


     Isto significa que temos construído um passado, à luz das nossas experiências e que o mesmo precisa ser uma massa catalogável e de considerável peso em todo nosso processo de crescimento e aperfeiçoamento espiritual. É pressuposto básico então de que em todas as oportunidades em que estivermos reunidos nesta ou naquela igreja. E nas oportunidades que tivemos e ainda teremos ao nos reunirmos, neste ou naquele lugar, e nos próximos durante este ano de 2017. Estaremos abrindo a Bíblia para nos alimentarmos. Consequentemente, fica cada vez mais nítida tanto a natureza dessa opção de fé, quanto o seu caráter inquestionável e inegociável.


     Portanto, temos consciência do espectro desse ambiente a ser considerado e as expectativas criadas em cada um dos senhores. Os desafios são muitos e grandiosos. E, muito embora seja desnecessária a enumeração de cada um deles, eles desafiam nossa capacidade em conciliarmos preceitos de natureza ética e doutrinária que permitam a possibilidade de construirmos pontes, ou elos, entre as muitas hermenêuticas presentes aqui, que subentendem ter como fonte primária, a Bíblia, a Palavra de Deus.


     Mas então o que este prólogo do evangelho de Lucas tem a nos oferecer a propósito desta reunião? Se tivéssemos que caracterizar a figura daquele que se prontifica a narrar o texto, podemos caracterizá-lo como um compilador de um material que, segundo ele, é fruto de uma pesquisa minuciosa. Sua empreitada é de natureza particular e visa oferecer o trabalho a alguém cujo nome é TEÓPHILO.


     O parágrafo acima não necessariamente identifica o autor (Este Evangelho leva o nome de Lucas), mas caracteriza autor e narrador como a mesma pessoa. E, neste caso, já há uma tentativa de síntese daquilo que biblicamente está posto no trecho que nos serve de parâmetro para esta reflexão. Nem mais nem menos. Poderíamos ficar por aqui. Mas será que é somente isto que o texto tem a nos oferecer? Ou será que ele também fala por intermédio de outros recursos que, se aplicáveis em sua análise, falaria por meio do que não está, sob a forma de registro, dito aqui?


    A peculiaridade deste tipo de metodologia resulta do seu interesse ao fazer a análise estrutural e fragmentária desse trecho e simultaneamente fixar-se tão somente nele. Depreende-se pela forma estilística deste prólogo. Com um vocabulário apurado e em estilo clássico sua semelhança com os historiadores da época helenística (Bíblia de Jerusalém, Lucas cap. 1, letra “A” do rodapé.)
Quando o autor faz menção da iniciativa que outros também tiveram, ele se vale do advérbio POLLOÍ que é inclusivo. Ele não está julgando a qualidade daqueles que o precederam. Tanto que _POLLOI – Muitos_ está relacionado à fonte da qual também Lucas se vale, ou seja, as testemunhas oculares. Mesmo quando se pensa numa tradição oral e pré-canônica, a fonte continua sendo a mesma. (As testemunhas oculares)


     Raríssimas são as situações em que se pode dizer que os exegetas possuem algum tipo de unanimidade. Mas a questão das fontes é um elemento comum e de unanimidade entre eles, desde que estejam relacionadas à questão sinótica. Que é também o que nos interessa já que o Evangelho de Lucas juntamente com o de Mateus e Marcos fazem parte desse tronco narrativo pré-literário.
Notem também senhores, que, a despeito dos nossos esforços em manter vivo e bem presente em nossas mentes e corações aquele preceito e pressuposto fundamental de que a Bíblia é a palavra de Deus. Quando nos prontificamos a uma análise deste texto a partir de uma abordagem tipicamente escriturística e quiçá comparativa, percebe-se o desvio não deliberado desse horizonte. Dada à natureza fundamentada, porém, fragmentada e indutiva; na contra partida de uma abordagem literária, canônica, dogmática e dedutiva.


     O autor ainda deixa claro que o seu objetivo é o fortalecimento da fé deste homem chamado Teófilo. A quem trata com tamanha desenvoltura e distinção. Entretanto, ao agir dessa maneira, revela alguns traços de máxima importância, no que diz respeito ao cuidado e zelo com que os cristãos dos tempos mais primitivos da fé, tratavam a catequese, o discipulado dos neófitos, quando o assunto era a transmissão dos fundamentos da fé em Cristo.


     Quando ele faz referência àquelas testemunhas oculares, não somente as elenca como os reais e dignos transmissores dessas verdades, mas os qualifica como aqueles que transmitem com fidelidade. O verbo utilizado tem sua origem morfológica numa forma composta com a preposição PARA – DIDOMI, que significa entregar, transmitir fielmente. Este verbo está presente também em Paulo. Em I Coríntios 11:23; “O que recebi, também vos ensinei(entreguei)”.


     Sendo o trabalho Lucano caracterizado por uma coleta minuciosa de dados. Levantados a partir de uma intensa e expressiva relação de testemunhas oculares. Seu trabalho almeja ser uma base de sustentação histórica e, porque não dizer, científica. Com isso derruba-se aquela ideia de um possível enquadramento desta obra com características especulativas e fantasiosas que é uma análise anacrônica e típica de uma moderna crítica liberal e adogmática. O elemento contraditório de tudo isso é o que o autor deixa claro a partir do objetivo a ser alcançado neste seu prólogo.


     A ênfase numa coleta de dados desde o “PRINCÍPIO” quer aceitem; ou não, não se vincula necessariamente a parâmetros canônicos, mas ao princípio da apostolicidade. Já que este último sempre se manteve como realidade até mesmo antes do início de uma tradição canônica. YPERETAI são ministros ou auxiliares que trabalham com fidelidade e possuem experiência prática para a transmissão oral, no inicio, e como sustentação e distinção entre as muitas tradições canônicas e escriturística que estavam surgindo: “Visto que muitos já tentaram compor uma narração dos fatos que se cumpriram entre nós”.


     Não existe adendo da parte de Lucas à catequese a que fora submetido Teófilo em sua iniciação ao cristianismo. Isto se ele efetivamente é um cristão que foi catequizado. Pois existe também a possibilidade de o mesmo, em sendo um alto funcionário do Império Romano, que busca informações sobre a natureza daqueles que se dizem seguidores do RESSUSCITADO (Bíblia de Jerusalém, Ibid, letra “C”) . Se o que nos interessa é o caráter catequético, então o objetivo é tão somente fortalecê-lo na fé, ou seja, naquilo que ele mesmo estava sendo ensinado. Grosso modo, inexiste uma variação entre aquilo que a Teófilo foi ensinado e, com base em testemunhos vivos e orais, e a tradição canônica na qual Lucas e os demais sinóticos se inserem a posteriori.


     Outra questão que surge a partir do desenvolvimento desta temática, seria: O que é um registro escriturístico e o real conceito do que seja Palavra de Deus? Mas penso, e digo com muita sinceridade a todos vocês meus colegas, que este tipo de proposição sob forma de questionamento não tem a intenção de provocar qualquer tipo de posicionamento da parte de quem quer que seja. Mas sim, e a título de um exercício intelectual, produzir pensamentos de natureza especulativa que salvaguardem por intermédio deste formato estes mesmos princípios que sobrevivem até hoje no âmbito e simplicidade da fé cristã. A natureza da fé nos primórdios do Cristianismo era a crença no Ressuscitado e de que ele voltaria para buscar a sua igreja. E foi com base neste princípio que toda tradição apostólica se norteou e tem chegado até nós.


     Se refletirmos sobre o real conceito do que seja a Palavra de Deus do ponto de vista de uma ótica Lucana ou de qualquer outro autor dos textos do Novo Testamento que, em sua maioria, são todos de ascendência judaica, exceção deles é o próprio Lucas, uma vez que não tem origem judaica. Palavra de Deus é a escritura do Antigo Testamento sob a forma de registro do hebraico bíblico. Há inúmeros casos em que esses autores do NT demonstram uma ampla liberdade a respeito da estrutura textual do texto bíblico. Começam já pelo texto do AT que utilizam, pois seguem o texto da Septuaginta, porém muitas vezes o modificam para adaptá-lo às suas necessidades. Algo parecido com uma licença poética no sentido de avançar um pouco além de uma norma propriamente dita. (J. Schreiner e G. Dautzengerg. Forma e Exigências do NT. Ed Paulinas, São Paulo, 1977, pág 21).


     Penso que até hoje qualquer versão em qualquer vernáculo daquilo que conhecemos como TANAKH, do ponto de vista dos Rabinos é uma corrupção do texto sagrado. Senão as liturgias das sinagogas espalhadas pelo mundo seriam realizadas na língua nativa daquele país tal como aconteceu com o catolicismo a partir do Concílio Vaticano II. Pelo contrário as liturgias nas sinagogas são todas conduzidas em hebraico.


     O que provocou essa reviravolta ou mudança de paradigma foi a expansão do evangelho. Um objetivo para ser alcançado precisa passar por um processo de intensa racionalização. Que ferramenta existia nesta época que simbolizasse esse processo? Que também foi chamado pejorativamente por Harnack de helenização. Esta ferramenta era o idioma grego. Conceitos como Logos, Reino de Deus, Ekklesia, Eucharistia e tantos outros tinham uma maior capacidade de sintetizar o que aquele evento pré-pascal tinha produzido na vida de um pequeno grupo de discípulos, seguidores de um certo nazareno. Numa região longínqua chamada palestina.


      Caros colegas o exercício que me propus realizar juntamente com vocês nesta manhã notabiliza-se pela inflexão. Pela forma como modulamos ou haveremos de modular as nossas capacidades de abordagens diante do texto bíblico. Em minha modesta opinião isto não significa, em hipótese alguma, que tenhamos que abrir mão de princípios. A própria forma de apresentar este assunto não julgou procedente invalidar alguns preceitos dogmáticos presentes desde o início desta abordagem.



     A proposta de discussão buscou elementos dentro do texto que pudessem ser colocados lado a lado com estes princípios de natureza dogmática e que nos caracterizam e nos distinguem hermeneuticamente de outros grupos e até mesmo entre nós. O prólogo lucano é de um rebuscamento clássico e erudito tal como já foi destacado neste texto. Mas a obra como um todo é produto de uma pesquisa minuciosa que teve entre outras coisas um levantamento seletivo de dados. Revela uma pesquisa de campo através da coleta de dados testemunhais junto àqueles que participaram direta ou indiretamente dos eventos narrados. E a este texto também imputamos o status de palavra de Deus.

     Esse tipo de palavra ou reflexão somente cabe neste ambiente. Ele não pode ser assunto para discussão e debate entre leigos. Digo isso tendo como exemplo o apóstolo Paulo que em suas epístolas pastorais usava sempre de um recurso literário também conhecido como Parênese, ou exortação. Que servia para algumas orientações aos presbíteros e pastores das igrejas. Todavia, longe esteja de mim a pretensão de vos orientar na forma de condução dos vossos rebanhos.
Também prefiro acreditar que um trabalho como este jamais terá a pretensão de se insurgir como uma peça de instrumentação profética onde a iminência de tempos difíceis demandaria alguns procedimentos de natureza ética. Segundo a visão amilenista que ainda faz parte do nosso universo e dimensão escatológica, já vivemos e experimentamos o fim dos tempos. E, conforme a própria escritura, presenciaríamos o completo abandono da Sã Doutrina e o surgimento de homens que se dizem sábios, mas que têm como objetivo desviar a Igreja do Senhor da verdade.


     Estamos no transcurso do ano de 2017 e a caminho do seu término, e desde o seu início tem havido uma intensa movimentação em torno de debates dentre as mais variadas temáticas, mas que trás como tronco principal os 500 anos da Reforma Protestante e o consequente desdobramento desse movimento político, religioso, social e cultural. Não para a humanidade, contudo para parte dela e especialmente para a cristandade do ocidente. Ainda há muito que se debater sobre esse acontecimento. Em linhas gerais ele proporcionou uma racionalização de princípios quanto à abordagem das escrituras.


     Do ponto de vista de uma mediação com base numa pretensa tradição que remonta aos tempos de um cristianismo tido como primitivo. Nos libertamos das amarras de uma tradição hierarquizada que se impunha tal como ela própria se auto intitula de MAGISTÉRIO. Fomos lançados em uma aventura denominada de experiência mística. A um encontro com Deus, porém, agora, mediado pela Bíblia (Palavra de Deus) que segundo as palavras de Lutero _ Was Christum Treibt _ ela deve revelar a Cristo. (apud Dogmática Cristã, Vol, pág).


     A prova mais contundente de que nem sempre devemos tão somente abordar os aspectos positivos de qualquer movimento, foi o que aconteceu depois da Reforma e com a geração subsequente a Lutero. O surgimento da Ortodoxia Protestante foi literalmente uma tentativa de retorno ao período anterior à reforma e àquilo contra o qual Lutero lutou: O Escolasticismo. Ao que parece essa tentativa de retorno se justificaria pela percepção e risco de um mundo em fragmentação. O que se comprovará pelos movimentos contemporâneos (A Renascença) e posteriores a Reforma (Iluminismo).


     Seja qual for o sentido com que nos deparamos, ou nos identificamos com este, ou aquele movimento. Não há como negarmos os pontos positivos do legado da Reforma ao nos aproximarmos pela via horizontal dos nossos semelhantes. O ponto comum era a nova vida em Cristo experimentada e compartilhada no encontro que cada um podia ter com a escritura sem a tutela de uma hermenêutica institucionalizada. Com isto, a mediação agora faz parte do encontro do indivíduo com Deus, por meio de Cristo. Presente tanto na sua vida quanto na escritura que o revela.
Se o resultado positivo alcançado pelo movimento reformista foi a libertação das amarras de uma hermenêutica de magistério que se auto intitulava guardiã da fé e da doutrina; por outro lado, desaguamos em uma hermenêutica fragmentária que vai desde uma fundamentação teológico-doutrinária que, a princípio, promove o surgimento de fronteiras nacionais. Mas chega especialmente no indivíduo que passa a ser o parâmetro. Com isso cresce em grau de importância novos métodos científicos em que a centralidade passa a ser o homem e a sua razão. Esse contexto de crescente fragmentação e consequentemente de desintegração de uma época é emblemático para ilustrar o aparecimento de alguém como Kierkgaard.


     A propósito desta leitura que julgo preliminar e, portanto, carecerá de uma complementação. Os 500 anos da Reforma tem sido celebrado há pelo menos um ano. E esta leitura se prestará em subsídio e sustentação de tantas outras temáticas que abordam circunstancialmente o movimento evangelical protestante e suas formatações de origem e desenvolvimento e que relações ainda poderão ser identificadas nesse movimento com o que historicamente aconteceu em 31 de Outubro de 1517.

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