POR QUE DEVEMOS CHAMAR DEUS DE PAI E NÃO DE MÃE?




     


     Uma pergunta interessante e intrigante, e claro, devido a profissão de fé deste redator, eu diria, num primeiro momento e fundamentalmente por causa da escritura, que chamo Deus de Pai em minhas orações pois aprendi com o Senhor Jesus a ter este tipo de tratativa ao me aproximar Dele, Deus.

     
     Notadamente, se depreende que a tentativa de resposta a esta indagação prende-se diretamente a aspectos históricos relacionados à tradição cristã. E é dentro desta tradição e devido a algumas manifestações de lideranças que se dizem cristãs, que se tenta responder a questão. Já que tem surgido, ainda que de forma pontual, aqui e ali, algumas tentativas de mudança deste paradigma dogmático quanto ao ser de Deus desde uma perspectiva sexista.


     O exemplo que tenho na escritura tal como foi aludido, somente se espelha neste comportamento do Senhor Jesus. Na própria escritura não existe nenhum outro referencial de que alguém diferente do Senhor Jesus tenha se valido dessa tratativa para se relacionar com Deus.


     Falando de maneira mais específica, quero me valer de um único texto na escritura: Lucas 11:1-4. Nesta passagem o Senhor Jesus está em oração. Quem sabe cumprindo com uma daquelas obrigações que todo judeu religioso precisava fazer. O judeu possui um conjunto de rezas também conhecidas como TEFILAH. Elas consistem em trechos extraídos do TANACH, a Bíblia hebraica e do TALMUD.


     Tanto Jesus quanto o discípulo que a ele recorre pedindo que o ensine a orar são judeus. É de se admirar não o fato de Jesus estar orando, mas o pedido daquele discípulo. Com certeza, e aí esta asserção é por minha conta, aquele judeu, discípulo do Senhor Jesus, e o próprio Cristo tiveram o mesmo tipo de iniciação na cultura e religiosidade judaica. E ele, aguardando o término do momento devocional e pessoal do Senhor, o interpela com um pedido inusitado.


     Quero também esclarecer que minha preferência pelo texto de Lucas e não pelo de Mateus, não obedece a critérios de natureza exegética e sim pelo fato do mesmo estar inserido num contexto de diálogo. Em Mateus, a ênfase obedece a uma formatação doxológica. É uma reprodução do que a Igreja do Senhor recitava quando se reunia.


     Muito embora o texto não identifique o discípulo que faz tal pedido, fica subentendido que o pedido não ocorre por uma iniciativa própria e sim, ao que parece, ele é tão somente o porta voz de um desejo coletivo que abrange a totalidade dos seguidores do Senhor Jesus.


     Os discípulos de João tinham um jeito próprio e singular de serem identificados. É o próprio discípulo quem aponta essa característica entre os discípulos de João ao afirmar que João(Batista) ensinou os seus discípulos a orar. Outro dado que não pode, em hipótese alguma, passar despercebido, é de que com a morte de João Batista não houve uma migração de discípulos deste para o Senhor Jesus.


     O capítulo 7:18-23 deste mesmo evangelho, dá-nos conta de que dois dos discípulos de João são enviados por ele a Jesus com o intuito de lhe perguntarem se ele era aquele que havia vir ou eles deveriam esperar outro? eles voltam e relatam o ocorrido, já que, segundo o próprio texto, foram operados muitos milagres no exato momento da pergunta. Ao que parece os discípulos de João continuaram sendo discípulos de João.


      alguns textos do NT dão margem pra que se sustente esta posição de uma não migração pelo menos em sua totalidade, de um discipulado para outro. Temos o exemplo de dois textos em Atos 18:24-25; 19:1-7. O primeiro diz respeito a um varão cujo nome é Apolo. Diz o texto que era poderoso nas escrituras. Todavia, o seu discipulado foi todo concentrado nos ensinamentos de João Batista. O outro exemplo também em Éfeso é sobre um grupo de discípulos que ainda não sabiam nada sobre o Espírito Santo. Tudo indica que tanto apolo quanto esse grupo de discípulos eram frutos do trabalho de algum outro discípulo de João.


     O fato é que este discípulo do Senhor Jesus está preocupado em ter algo distintivo que o identifique como discípulo do Cristo. Neste caso, este aspecto distintivo teria que ser algum tipo de reza ou oração tal como aqueles que quando queriam identificar os discípulos de João, o identificavam pela oração. O próprio texto também evidencia que não existe qualquer impedimento pra que o Senhor Jesus não atenda a este pedido.


     Finalmente chegamos a oração propriamente dita que começa a partir do verso 2. Vale observar que os trechos que não estão entre chaves não pertencem ao evangelho de Lucas. São trechos que são encontrados no evangelho de Mateus. O Pai nosso Lucano é um texto bem mais enxuto. E por isso alguns exegetas o apontam como texto mais antigo:
2 εἶπεν δὲ αὐτοῖς Ὅταν προσεύχησθε, λέγετε Πάτερ, ⧼ἡμῶν, ὁ ἐν τοῖς οὐρανοῖς⧽, ἁγιασθήτω τὸ ὄνομά σου· ἐλθέτω* ἡ βασιλεία σου· ⧼Γενηθήτω τὸ θέλημά σου, ὡς ἐν οὐρανῷ, καὶ ἐπὶ τῆς γῆς⧽.


     Muito embora seja um texto mais enxuto e não dá pra se descartar a possibilidade de que seja escrituristicamente mais antigo que o de Mateus, do ponto de vista litúrgico, é inadmissível que a sua utilização não tenha acontecido desde muito cedo no âmbito das celebrações congregacionais dos primeiros cristãos. Já foi falado que a preocupação do discípulo tinha caráter de emblema que os identificasse como discípulos de Jesus.


     Este discípulo, por falar em nome do grupo, fazia uma espécie de reivindicação coletiva e portanto a expressão "Pai Nosso" vem revestida de uma força singular sob o responso das congregação quando em celebração. O Pai é de todos os presentes. Ele habita num lugar que por excelência é o símbolo da transcendência(Céus), já que está além de tudo e de todos. Por conta disso, Ele também é santo e a igreja pecadora precisa dessa presença santa para que tenha consciência de seu pecado.


     Diferentemente do episódio narrado pelo profeta Isaías no capítulo 6 de seu livro (Isaías 6:1-7). Onde o profeta entra em pânico achando que iria padecer devido à visão Theophânica que estava tendo. Aqui a congregação clama pela presença santíssima do Pai, mesmo tendo consciência de que é pecadora. E isto somente se torna possível por causa dos ensinos de Jesus e, claro, pela mediação no seu sangue.


     Em síntese, neste verso sob análise, o Pai é buscado para estar no meio de seu povo por ser o Pai de todos os presentes, É Santo e por isso habita na transcendência(Céus). E muito embora a sua santidade possa nos assustar e causar pânico, a congregação clama por sua presença, não sem antes haver um comprometimento dela de que o seu nome será santificado. Ele também terá total liberdade para a implantação do seu Reino.


     Como já foi dito no inicio deste texto, um dos motivos para que eu chame Deus de Pai está diretamente relacionado a minha profissão de fé cristã. E porque este tipo de tratativa para com Deus começou com Cristo e depois nos foi delegada. Começou com Cristo e o que me serve de referência específica neste momento é o próprio texto que se tem usado para esta reflexão. E posteriormente o texto de Romanos 8:15. Já que o próprio Paulo faz alusão ao espirito de filhos adotivos que herdamos por Cristo. E por conta dessa herança, também clamamos a Deus(Abba).


     Há uma afirmação, melhor dizendo, uma declaração dogmática de que a maneira como Jesus se dirige filialmente a Deus está incorporada no uso do nome trinitário pela Igreja(BRAATEN, Carl & JENSON, Robert. Dogmática Cristã Volume I, São Leopoldo, Editora Sinodal, 1990, página 110). Ou seja, essa forma única e emblemática do Cristo tratar com Deus é parte integrante e compõe o arcabouço hermenêutico construído pela Igreja ao longo de sua trajetória histórica.


     Com isso começamos a querer responder à pergunta colocada no título deste texto. Queremos responder que é melhor chamar Deus de Pai e não de Mãe. Porque a tratativa de Deus como Pai já está colocada desde o início. E teve como principal sustentáculo a própria atitude do filho Deus, nosso Senhor Jesus.


     Na trajetória bíblica desde o AT até o NT, o Deus dos Hebreus é aquele que se revela a um povo historicamente qualificado. Ela evidencia uma divindade que cria o mundo por meio de sua vontade soberana através de sua palavra. E não aceita tipo algum de representação imagística do seu ser.


     Os elementos típicos da mitologia do mundo antigo estão relacionados à geração da vida desde uma perspectiva cíclica e sob o manto dessa perspectiva está a fertilidade. Por maiores que sejam as tentativas de alguns críticos de afirmarem que a maioria das histórias e mitos bíblicos são adaptações aos muitos mitos já existentes no mundo antigo, não dá para equiparar o tipo de manifestação ou revelação com que o Deus dos hebreus se vale para falar ao seu povo ou a um de seus servos.


     Algumas pressuposições de caráter teológico e filosófico reforçam essa herança e tradição cristã quanto ao tratamento devocional que se direciona ao Deus cristão enquanto Pai e não enquanto mãe. Para o Deus da tradição judaico-cristã, é fundamental que não sejamos de sua substância e que seu papel como nosso Pai não é sexual e que ele nem metaforicamente é um Deus da fertilidade.


     Por exemplo, não se pode comparar o Deus dos hebreus com o grande Zeus da mitologia grega. Que segundo especialistas nesta área, simboliza o deus indo europeu da fertilidade, que se traveste sempre de uma outra forma. Geralmente de algum príncipe formoso ou de um animal para seduzir as donzelas. Foi assim com Sêmele, mãe do deus Dionísio (Bacho) e também com Leda, onde se transforma em um cisne.


     Apesar dessas pressuposições, ainda permanece o dilema entre a tratativa de Deus enquanto Pai ou Mãe, e não dá para se utilizar do expediente de que quando fazemos referências aos nossos pais em sentido genérico, está incluído o pai e a mãe. Neste caso, os papéis têm que ser suficientemente especificados.


     Há um conjunto de elementos respaldados tanto por intuições filosóficas, dados de natureza histórica e religiosa, estes mais no que diz respeito a história e tradição de Israel. E um quadro sob a perspectiva anatômica e genética da mulher em comparação com o homem. Primeiro: A mulher é ontologicamente superior ao homem(BRAATEN, Carl.Op cit. p.111). Portanto a humanidade na mulher é inerradicável. E é justamente por causa dessa inferioridade ontológica do homem que se propõe "Pai" ao invés de "Mãe".


     Pois sendo "Pai" ele pode ser o Pai de todos. O mesmo já não acontece quando o assunto é a "Mãe". As avançadas pesquisas em biologia humana e principalmente quando se relaciona com a cadeia reprodutiva humana, descobriram que somente carregamos o DNA mitocondrial da mãe e não do pai. Nossa humanidade está radicalmente relacionada ao processo desencadeado na fecundação do óvulo no interior da trompa e a caminho do útero materno, todo material genético da mitocôndria do homem ficou de fora e somente sobrevive a mitocôndria da mulher no interior do óvulo.


     Quando falamos do Pai, a exemplo do que nos ensinou o Senhor Jesus, falamos de um Deus misericordioso que a todos nos abraça. A despeito de sermos pecadores, está sempre de braços abertos como na parábola do "Filho Pródigo", Lucas 15:20.


     Para concluir, no prólogo do Evangelho de João capítulo 1:14 (Καὶ ὁ Λόγος σὰρξ ἐγένετο καὶ ἐσκήνωσεν ἐν ἡμῖν, καὶ ἐθεασάμεθα τὴν δόξαν αὐτοῦ, δόξαν ὡς μονογενοῦς παρὰ Πατρός, πλήρης χάριτος καὶ ἀληθείας.), encontramos o evangelista falando com propriedade a cerca da encarnação, onde ele mesmo se arrola como uma de suas testemunhas ao afirmar que: "Vimos a sua glória como a glória do unigênito do Pai"...


     Note que a ênfase dada nesse processo de encarnação recai sobre a palavra UNIGÊNITO, em grego MONOGENE, o único da mesma espécie ou substância de Deus entre os homens. Assim e seguindo aquela afirmação neotestamentária de que somos filhos por adoção, podemos afirmar que o único a possuir um DNA paterno-divino é o Senhor Jesus. Este Jesus não é nem teológica e muito menos culturalmente uma figura híbrida do ponto de vista do conceito de sua inserção na cultura e religiosidade do seu povo.


     Um dos preceitos que se constitui como condição para que um judeu seja considerado judeu é: "Judeu é todo filho de mãe judia". Todo este texto tem sido desenvolvido sob a perspectiva de uma radicalidade muito mais humana na mulher do que no homem. Na encarnação do Cristo a relação do humano com o divino, a parte humana é aqui representada pela mulher (Maria).


     Ou seja, não dá para continuar sendo cristão e, acima de tudo, crente em Jesus se estamos propensos, pelos relativismos que se tem abatido sobre as igrejas, a alterar drasticamente o parâmetro dogmático que tem sustentado a igreja de Cristo há séculos. E que desde muito cedo a igreja providenciou uma blindagem sobre os pontos cruciais e principais da fé cristã. Essa blindagem nós historicamente a conhecemos como o CREDO:
Credo in Deum Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae,
et in Iesum Christum, Filium Eius unicum, Dominum nostrum,
qui conceptus est de Spiritu Sancto, natus ex Maria Virgine,
passus sub Pontio Pilato, crucifixus, mortuus, et sepultus,
descendit ad ínferos, tertia die resurrexit a mortuis,
ascendit ad caelos, sedet ad dexteram Dei Patris omnipotentis,
inde venturus est iudicare vivos et mortuos.
Credo in Spiritum Sanctum,
sanctam Ecclesiam catholicam, sanctorum communionem,
remissionem peccatorum,
carnis resurrectionem,
vitam aeternam.
Amen.[3]


     Que o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo e o Espírito Santo nos abençoe e ilumine os nossos caminhos para que nenhum investida herética e descompromissada com os fundamentos de uma fé cristã genuína, nos desvie de nossa relação para com o nome trinitário de Deus, bem como de uma relação fraterna como os nossos irmãos e em torno de uma mesa onde celebramos este nome Santo. Amém!

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