Texto - Isaías 57:1-2

Tema - Qual o papel do justo neste mundo?

ICT - O texto com base nestes dois versos destaca que há uma extrema indiferença na relação do justo com aqueles que vivem de praticar a corrupção de maneira contumaz.




Introdução


     A escritura, em alguns momentos e situações, dá um claro sinal de que o papel do justo, ou aquele que tem uma vida justificada por aceitar sobre si a soberana vontade de Deus tende a passar por esta vida despercebido. O tipo de manifestação a que se propõe o profeta não deixa de observar que ao se pronunciar sobre o justo torna claro que sua inserção no contexto social é realidade. Mesmo que do ponto de vista de uma cosmologia humana amoral, e anti religiosa(Não aberto a transcendência), o homem seja incapaz de ver e levar em consideração a existência de outro ser humano como seu próximo. Os homens compassivos são recolhidos sem que ninguém faça deles caso algum. E esta falta de consideração tem como consequência a prática do mal, uma vez que tal prática acarreta cegueira espiritual e insensibilidade. Quem se entrega a uma vida de contumaz pecado e corrupção fica entorpecido do ponto de vista de suas ações morais e das ações morais do seu próximo. Este é o panorama ético que a escritura tipifica como sendo daquele que não é temente a Deus.

     O aumento da iniquidade que nesta época se dá de forma exponencial inibe qualquer tipo de solidariedade entre os homens. Este aumento se dá de duas formas, tanto pelo fato de que a densidade populacional tende a crescer, bem como pelo fato de que o homem a cada dia que passa se torna um pecador contumaz. Isto provoca estragos jamais vistos em nossos compromissos morais e comunitários que devemos ter uns com os outros. Esses versos refletem uma espécie de desânimo e lamento por parte do profeta. Eles afloram sua memória afetiva e desencadeia um inconformismo de sua parte com a situação. E mesmo tendo a consciência do pecado como um dano sério que causa ao homem. A morte ou perecimento do justo em sua visão acontece ou é antecipada porque Deus age de forma providencial para com ele. Ou seja, o que acontece com o justo não é o mesmo que acontece com uma celebridade.

     O tipo de providência divina se deve ao fato de que: "Os homens compassivos são recolhidos sem que alguém considere que o justo é levado antes do mal." Deus não quer que os seus filhos sejam contaminados ou influenciados com esse reino da maldade que tem tomado conta do mundo. Isto é tão verdade que o próprio Cristo faz menção de que o aumento exponencial da iniquidade é capaz de fazer com que o amor de muitos se esfrie(Mateus 24:12). A metáfora do sacrifício está muito presente já que o Senhor ao tomar para si os seus servos, o Salmo 116:1 afirma que a morte dos santos é preciosa a vista do Senhor. A rigor, é desde uma perspectiva paradoxal onde o justo é justo por buscar andar nos caminhos do Senhor. Isto implica dizer que ao buscarmos a glória do Senhor anulamos qualquer tentativa de que os holofotes deste mundo concentrem seus focos sobre nós. Escolhemos neste mundo a glória do Senhor. A epístola aos Hebreus ao se pronunciar sobre aqueles que ocupam atualmente a galeria da fé, nos fala da opção e escolha de Moisés que recusou ser chamado filho da filha do Faraó, do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado(Hebreus 11:24-25)

     Para aqueles que experimentam a partida ou morte de parentes mais próximos, é sabido e agora se experimenta algo de muito amargo e dolorido. Esse amargor se traduz por um sentimento de perda e de vazio onde nada nem ninguém é capaz de ministrar uma palavra de conforto e consolo que seja integralmente eficaz. A dor fica ainda maior por termos enquanto constituição de nossa memória aquilo que chamamos de afetividade. Por outro lado, essa afetividade não mais se reproduz pela presença daquele que se foi. Chega ser uma afetividade carregada com uma série de sintomas de natureza patológica. Os gregos sabiam como ninguém dar forma e expressão a esse tipo de sentimento com a atribuição e fruição de significado do termo POTHOS_ cujo enfoque é a eclosão de todos os sentimentos.

     Uma das mais importantes caracterizações do que é a vida humana está na conceituação apurada e tão massificada do pensamento grego mediatizada pelo gênio de Aristóteles, quando afirma que o homem é um animal político(Zoon Politikòn). Todos os animais são gregários, mas o que lhes falta segundo Aristóteles é a linguagem(Logos). É justamente a linguagem o elemento que nos possibilita, pela associação do que temos em comum, a construção dos conceitos de família e de estado(MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia. p. 56). A linguagem tem como elemento primordial a reprodução e consequentemente a preservação da memória. E é justamente por meio dela que a afetividade toma forma e aflora. Ainda que não retorne por meio daquele sobre quem se construiu essa afetividade, a memória do mesmo continua viva por meio de nossas formas de expressão entre as quais a linguagem(Língua enquanto conceito linguístico, já que existem outros tipos de linguagem) se destaca.

    Aquele sobre quem se construiu o sentimento e a afetividade, embora não se encontre mais entre nós para cumprir com essa função essencialmente humana é também o elo pelo qual constatamos a perda e consequentemente nos vimos envolvidos e tomados pela dor. A dor por conta desse sentimento sem retorno é muito maior e simetricamente proporcional a angústia que invade o nosso ser. Outro dado auferido a partir dessa perspectiva é que a linguagem enquanto elemento capaz de condicionar tudo que nos caracteriza como seres humanos, também proporciona, por se constituir neste canal, como nos relacionamos com o mundo externo, e como a partir desse relacionamento atribuímos valores. Essa peculiaridade humana já se encontra determinada na forma como o Gênesis descreve a criação do homem por Deus e os atributos e qualidades que Deus coloca no homem. Tais como a capacidade de dominar e controlar a fauna, por exemplo(Gênesis 1:26; 2:19-20).

     A proposição do tema sob a forma de pergunta onde se indaga a cerca do real papel do justo neste mundo. Ainda não se debruçou objetivamente nesta temática. E, dá para se afirmar que não seja algo sobre o qual naveguemos em que possamos dizer que sejam águas calmas e com um mínimo de agitação. Considerando primeiramente, e seguindo a própria dinâmica do texto em questão de que estamos falando de alguém que é passível de ser chamado de justo. Mesmo que a dinâmica seguinte de todo o capítulo 57, o profeta fala da iniquidade que tomou conta da vida de seu povo. O pano de fundo de onde emerge a atribuição de justo está inserido no cenário político e religioso de Israel durante o período demarcado pelo vida do profeta Isaías. Que, diga-se de passagem, perdurou e resistiu à passagem de quatro monarcas(Isaías 1:1). Aduz-se a isso também a passagem onde ocorre a vocação do profeta. Quando no capítulo 6 do livro que leva seu nome, ele tem a visão de Deus em seu trono e rodeado de serafins. Neste relato o profeta reconhece a sua condição de pecador e de que se não fosse a misericórdia divina em purificar os seus pecados ele pereceria diante daquela visão THEOPHANICA(Isaías 6:5-7).

     Temos então que considerar o fato de que aqueles que são chamados de justos, são justos pelo fato de que por meio de uma intervenção divina e miraculosa seus pecados e iniquidades foram purificados. Logo, e, considerando novamente o pano de fundo de depravação moral e iniquidade do povo de Deus de onde emerge a figura do profeta, podemos inferir que justo em sua concepção é aquele que é purificado por Deus. E que ao abdicar de tudo neste mundo a única coisa que tem para se apegar, conforme o profeta Habacuque é a sua fé(Habacuque 2:4). O seu tempo de permanência vivendo pela fé neste mundo depende não apenas de sua capacidade para resistir as investidas malignas, mas também do nível de saturação e intensidade da imoralidade humana. No passado do profeta estão os relatos de experiência do seu povo onde Deus agiu por conta do aumento da iniquidade e pecado no mundo. No relato dessas ações divinas, o Senhor preferiu destruir os iníquos livrando os seus servos(Gênesis 6:5-8; 19:23-25). Porém, neste capítulo 57 do livro do profeta, a opção divina é de tirar, ou tomar para si os seus servos deste mundo de iniquidade de tal maneira que eles não vejam e não se corrompam juntamente com os iníquos.

     Mas ainda não respondemos de maneira satisfatória em que consiste o papel do justo no mundo. Quando Abraão toma conhecimento de que Deus haverá destruir essas duas cidades impenitentes, Sodoma e Gomorra, o patriarca intercede junto a Deus afirmando que lá também existiam pessoas que levavam uma vida digna e justa e que elas não mereceriam pagar pelos pecados da outra parcela. Abraão em suas ponderações argumenta com Deus se Ele destruirá também o justo com o ímpio? As interpelações do patriarca junto a Deus vão desde 50 a 10 justos que por lá pudessem existir. E, caso esta ponderação do patriarca procedesse, se ainda assim destruiria aquelas duas cidades e estes homens justos com os ímpios. E sempre a resposta divina enfatizava que por amor a estes justos o Senhor não as destruiria(Gênesis 18:23-33). Atrevo-me a dizer que os justos são aqueles por meio de quem Deus revela o seu lado misericordioso. E é justamente o reconhecimento dessa misericórdia que, segundo o profeta Jeremias, é a causa de não sermos consumidos(Lamentações 3:22).

     Para Jesus ser justo é ser sal da terra(Mateus 5:13) e luz do mundo(Mateus 5:14). Aqueles que apontam para uma dimensão vertical e transcendente onde o Deus todo poderoso e Pai de todos se encontra e de forma amável e misericordiosa nos observa e nos indica o caminho de acesso até sua presença. Ou seja, experimentamos a todo momento, mesmo que não as reconheçamos como vindas da parte do Senhor, as doces misericórdias divinas. A própria missão do filho que veio a este mundo para todos tenham vida e vida em abundância(João 10:10). Mais uma vez a missão do filho ao falar de vida é a de conscientizar o homem para uma abertura ao transcendente onde Deus o Pai se encontra. Ou seja, a capacidade de ser justo ocorre pela ação miraculosa de Deus que agora em Cristo opera o milagre da transformação, da mudança de rumo, de vida, de valores e de se constituir a partir de então de cidadão do Reino de Deus. O papel do justo, a começar pelo exemplo e ensinamento deixado por Cristo, é de apontar para uma dimensão de Reino e de império da vontade divina, onde a paz, a justiça, a prosperidade e a eternidade são elementos constitutivos dessa dimensão.

     Fora e a parte desses critérios estabelecidos elo próprio Deus, não existe paz, prosperidade, justiça, amor, etc. Na realidade onde o império do mal e da iniquidade vigora, quando se fala em justiça divina, conforme o próprio ensinamento de Paulo em Romanos 1:18 afirma, é por onde se manifesta a ira divina. Não dá para permanecer por muito tempo em meio ao pecado e toda sorte de iniquidade sem que com isso não sejamos afetados pela manifestação da ira divina. Temos a nítida consciência de todo o mal que nos cerca. Devemos fugir tanto do mal quanto da sua aparência(I Tessalonicenses 5:22). E tudo isso começa com uma atitude de inconformismo de nossa parte(Romanos 12:2). O apóstolo ao fazer menção dessa atitude de inconformidade com este mundo, mas na verdade ele faz menção de sua época específica(Era, século, atualidade, etc.). E revela uma perspectiva subjetiva a partir de uma visão das coisas que incluem como os poderes do mundo e seus impérios se fundam. É uma advertência às nossas relações com os poderes constituídos e por de onde a maldade e seus mecanismos se imiscuem. O apóstolo está advertindo para que não se entre em composição com os esquemas de poder deste mundo.

     E para encerrar, basta que tenhamos em mente que não fomos chamados para sermos celebridades. Pelo, contrário a atribuição de justo como aquele que é justificado por aceitar de forma incondicional a soberana vontade divina sobre sua vida, implica em não buscarmos o foco dos holofotes. Implica em sermos, em algum momento, tomados e levados pelo Senhor a sua presença para que não vejamos a corrupção e a maldade de tal maneira que por elas sejamos afetados. Por um pouco de tempo, até que se chegue a colheita, convivemos como o trigo no meio do joio(Mateus 13:29-30). Pois, nessas condições, Deus não seria justo para com o justo, se na hora de erradicar a maldade aniquilasse toda a raça humana, inclusive, aqueles que por Ele são justificados. Logo, e tendo como fundamentação a resposta dada a Abraão de que por amor àqueles justos que, porventura existissem naquelas duas cidades impenitentes(Sodoma e Gomorra), Ele não as destruiria. E principalmente, por seguirmos os preceitos divinos, não devemos nos preocupar pelo fato de que mesmo sendo proativos na obra do Senhor não ocuparmos nenhum tipo de posição de destaque, pois foi exatamente para isto que fomos chamados e é na condição de servos do Deus altíssimo que nos encontramos.

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MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia.
         Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 4 ed. 2005, 179 p.
 

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