<>Leitura do evangelho de Mateus capítulo 25.








     As duas parábolas deste capítulo são o complemento da seção que se inicia no capítulo 24:37-25:30(KÜMMEL, Werner Georg. Intr. ao Novo Testamento, p. 125). Curiosamente no capítulo 24:37, ainda que não seja o objeto desta leitura, revela nas palavras de Jesus como os homens desde os tempos do patriarca Noé encaravam a vida desde uma perspectiva de relacionamento com Deus. E na expressão: "Casavam-se e davam-se em casamento", está todo o sentido que o termo banalidade empresta para aqueles que cuidam de suas vidas como se não tivessem qualquer tipo de responsabilidade para com o próximo, para com Deus e para consigo próprio. E de repente ele se dá conta do elemento trágico a que sua vida está submetida. No gênero lírico grego conhecido como tragédia, o exato momento em que o homem se vê em meio a esta situação, o sentimento que se tem é que nem mesmo os seus deuses são capazes de interferir em seus destinos cuja a tragicidade é irreversível(Moĩra)*.

     Ao adentrarmos no capítulo 25, nos deparamos com a parábola das dez virgens. Nesta parábola Jesus toma a iniciativa de comparar o Reino dos Céus às dez virgens, uma vez que é unânime a expectativa de cada uma delas para encontrarem-se com o noivo. E é com esse tipo de expectativa e com suas respectivas lâmpadas que partem ao encontro do noivo. Fica claro que as dez virgens estão imbuídas do mesmo tipo de iniciativa. A diferença entre uma metade e outra é de que uma metade é composta por insensatas e a outra metade de prudentes_ MORAI** e PHRONIMOI***. O fato de as insensatas não terem levado azeite sobressalente demonstra uma atitude banal e racional ao lidarem com aquilo que Tillich chama e que é tratado por ele como conceito de ultimacidade das coisas em sua Teologia Sistemática(Passim). Doravante, desde o advento do período iluminista, este conceito passou a ficar restrito ao domínio da religião propriamente dita. Isso fica cada vez mais específico a partir do momento que se estabelece para efeito de metodologia onde o objeto de estudo é a filosofia da religião e a distinção dos fatos e aspectos relativo a cadeia do significado, bem como a distinção da religião rumo ao incondicional, assim como a cultura rumo às formas condicionadas e sua unidade.(PAUL, Tillich. Filosofia de la Religion. p. 46).

     Ao que parece a atitude das cinco virgens insensatas não corresponde ao grau de expectativa única que deveriam depositar diante daquela situação. Elas agiram sim com muita racionalidade e praticidade, porém, se é que se pode chamar dessa maneira, sem qualquer tipo de análise de riscos por algum tipo de eventualidade que intercorresse nesta situação. As cinco virgens prudentes também tinham uma expectativa única que as faziam concentrarem-se apenas na chegada do noivo. Entretanto, estavam preparadas para qualquer eventualidade que acontecesse entre a espera e a chegada do noivo. Por isso a prudência em levar recipientes de azeite sobressalentes. O que há de diferencial entre um grupo e outro é o fato de que, embora imbuídas da mesma expectativa, ou seja a chegada do noivo. Entretanto,a única certeza que se podia ter era de que ele viria, mas nenhuma delas sabia quando. As prudentes viram um tempo além do tempo em que o azeite que já estava nas lâmpadas queimava. As insensatas foram insensatas exatamente por limitarem suas racionalidades apenas ao que as lâmpadas comportavam de azeite.

     A advertência quanto ao que aconteceu às cinco virgens insensatas e o desespero delas batendo à porta depois de a mesma ter sido fechada, oferece a oportunidade em se discutir que elas não são reconhecidas como dignas de adentrarem à câmara para as bodas. Foi a atitude imprudente delas o motivo de não serem reconhecidas como dignas de entrarem naquele lugar. Não é suficiente  que se nutra algum tipo de expectativa quanto a parousia****, ou volta de Cristo. Até mesmo aqueles que não comungam do mesmo pensamento e crença cristã de que existe uma promessa de volta de Cristo, têm consciência da mesma. E assim, não têm o mesmo empenho de tal forma que não se preparam a altura de se esperar pela concretização no tempo e no espaço, do tipo histórica, que um evento como este pede. As cinco prudentes podem ser equiparadas no sentido da expectativa pela espera do noivo àquele a fan de que ainda que o noivo não estivesse ali, agiam como se fosse uma realidade concretizada. Escatologicamente era o tipo de atitude que os judeus convertidos a Jesus expressavam de forma verbal ao se encontrarem. E que se traduz pelo termo de saudação entre ambos registrado em I Coríntios 16:22_ Maran atha_ O Senhor vem(Maran), Ele está aqui(Atha). O sentido de escatologia não é necessariamente algo que está para tomar lugar no futuro, e sim o futuro que se vislumbra e, portanto, se antecipa.

     Entramos agora na parábola dos talentos, onde a relação colocada sob análise é a que existe entre Senhor e servo. E a principal questão a ser levantada não é necessariamente a performance ou desempenho de cada servo. Uma vez que, a própria parábola faz menção de que na distribuição dos talentos, o Senhor os distribui conforme a capacidade de cada servo. Um dos pontos a ser levantados é que os dois primeiros servos fizeram as aplicações certas com os talentos que estavam sob suas responsabilidades e não subestimaram o fato de que num futuro indeterminado eles teriam que prestar contas a seu Senhor. Outro dado de suma importância reside no fato de que estes talentos constituem como elemento simbólico de que, muito embora, o Senhor delegue a seus servos a liberdade de aplicar os talentos como bem entenderem. Eles também têm consciência de que os mesmos são figuras representativas da presença do Senhor deles, mesmo em sua ausência.

     Mesmo sem a presença física do Senhor os servos sabem que ainda lhe devem obediência. Já o terceiro servo tem consciência de todas as qualidades do seu Senhor. Porém, será tido como negligente por desconsiderar as consequências positivas ou negativas de uma prestação de contas. Ao agir da forma como agiu enterrando o talento, ele subestimou sua própria condição de servo vinculando-a a estimativa de seu Senhor ao colocá-lo sob a responsabilidade e gerenciamento de apenas um talento. De acordo com o ajuizamento que pesou sobre si a partir das considerações de seu Senhor, ele não soube ser fiel sob aquele pouco a que fora constituído. Conforme o que foi dito aqui desde o início desta leitura, no sentido de que as parábolas deste capítulo 25 juntamente com o trecho do capítulo 24:37 em diante que o antecede. São caracterizadas como parábolas escatológicas. As quais para serem classificadas dessa maneira precisam estar atreladas à volta do Cristo.

     O que fica bastante claro até aqui neste processo de leitura empreendido sobre o capítulo 25 e que torna decisivo seu desenvolvimento, em que desde o início se tem constatado, é o fato de que em todas as situações que as parábolas descrevem são levados em considerações os respectivos contextos sociais de inserções de suas narrativas. Isto se depreende quando o assunto são as bodas e a forma como dez virgens as encaram e sobre as mesmas projetam suas expectativas. Fazendo com que ainda assim se ofereça um diferencial de atitudes que ocasionará a atribuição ajuizadora de uma primeira metade como virgens insensatas e a outra metade como prudentes. Como consequência as insensatas ficarão de fora da câmara nupcial e, portanto alijadas do convívio do noivo, que sequer as reconhece quando atrasadas, assustadas e desesperadas, batem à porta na esperança de poderem ainda fazer parte daquela celebração nupcial. Se alijaram do convívio por displicência e insensatez. 

     Na segunda parábola do capítulo 25 que trata dos talentos. O problema reside na falta de ação ou proatividade do servo que recebe apenas um talento. Ele pecou pela falta de iniciativa e não quis arriscar algum tipo de investimento que o levasse a perder até mesmo o talento que dispunha. Na observação e juízo de seu Senhor, ele poderia ter colocado o talento nas mãos dos banqueiros e na sua volta teria recebido o seu talento acrescido de algum juro. Outro fato curioso e que revela a falta de iniciativa deste servo e que, por sua vez, não era do desconhecimento dos demais servos, é a descrição de caráter do seu Senhor e que nesta relação Senhor-escravo***** fica mais patente no terceiro servo que apenas recebe um talento. É fato que numa relação de poder como esta observamos a vigência do imperativo da força de maneira impositiva. Ocasionando com isso uma relação de medo por parte dos servos. Com esta parábola percebe-se que muito embora os três servos estejam subjugados por esta relação de forças, ainda assim o homem precisa avaliar sua capacidade por iniciativa própria de ultrapassar estes limites impostos, pois eles são construções sociais. No caso da narrativa dos talentos, a relação de forças entre Senhor e escravo foi suficiente para inibir qualquer tipo de iniciativa daquele servo.

     O tipo de ajuizamento a que foram submetidas as cinco virgens que não trouxeram azeite sobressalente foi a imprudência, e pode-se afirmar que foi uma imprudência coletiva, afinal de contas, eram cinco. E isto lhes custou a não entrada para as bodas e convívio com o noivo. O ajuizamento a cerca do servo que recebeu um único talento foi a sua falta de iniciativa por aceitar, levado pelo medo de seu Senhor, ser reduzido a condição de servo sem que com isso tivesse tirado qualquer tipo de proveito para suas iniciativas próprias. Os dois primeiros servos souberam explorar muito bem suas condições de servos que aliada às suas iniciativas trouxeram dividendos em suas aplicações. É evidente que no mundo dos negócios, é muito importante durante as tratativas que são feitas, o tipo de suporte que possuímos quando estamos negociando. Os dois primeiros servos quando negociaram e duplicaram seus respectivos talentos, não negociaram por eles e sim por seu Senhor, por serem apenas prepostos. O servo negligente deixou que apenas a figura imponente de seu Senhor lhe trouxesse assombro. Se eu tenho procuração para negociar em nome de uma grande corporação ou de um grande banqueiro, por exemplo, é com aquele banqueiro ou corporação que o outro contratante está lidando ao negociar comigo em nome da corporação ou banqueiro que represento. Ainda assim, eu preciso ter iniciativa.

     A pena a que foi submetido o servo inútil tem uma aplicação semelhante a das cinco virgens insensatas. Ele foi alijado do convívio de um mundo de construção social onde a prevalência e dominância do seu Senhor é inquestionável. Foi por ordem deste mesmo Senhor que ele é lançado nas trevas exteriores, onde conforme a narrativa, existe pranto e ranger de dentes. Inexiste nessas trevas exteriores qualquer tipo de relação social aceitável, ou seja, não há nenhum tipo de construção de mundo onde as relações de força e poder sejam mediatizadas pela presença de um Senhor que se torna, por conta disso, o fiador desse contrato social e suas conveniências. Os conhecimentos atuais a cerca da história da tradição do material sinótico mostram que os discursos proferidos por Jesus são artificiais. Entretanto, a preciosidade das composições oferecem um quadro grandioso dos temas centrais da pregação de Jesus e de sua síntese didática feita pela igreja. A espinha dorsal sobre a qual se sustenta o evangelho de Mateus, tem como critério de desenvolvimento unidades didáticas e sistemáticas reunidas em seções de acordo com os assuntos. Esses discursos são composições preciosas que oferecem um quadro grandioso dos temas centrais da pregação de Jesus e da sua síntese judaica feita pela igreja. São definidas como seções didáticas identificáveis pela forma conclusiva característica. Isto inclui também o último discurso de 23:1 em diante e o vincula a um único tronco, a saber, um contra escribas e fariseus(Cap. 23) e o outro, sobre as últimas coisas e o juízo universal(Caps 24-25).(SCHREINER, Josef & DAUTZENGERG, G. Forma e Exigências do Novo Testamento. p. 275-276).

     Por último e derradeiro, adentramos a seção que trata especificamente sobre o retorno do Filho do Homem. E que é um referência direta a Jesus. É também um discurso colocado como proferido por Jesus. O verso 31 nos dá conta de que em sua volta ele vem em glória e acompanhado dos santos anjos. E é no trono de sua glória que ele se assentará. A tônica dada pelo verso 32 é de que este evento tem características globais, pois ao se assentar em seu trono todas as nações se reunirão diante dele. Todavia, sua primeira atitude não será a de um rei ou governante secular e sim a de um pastor quando separa os bodes das ovelhas. As ovelhas ficarão a sua direita e os bodes à esquerda. E as palavras direcionadas aos que estavam a sua direita é de boas vindas ao Reino. E acrescenta que eles são bem vindos por serem benditos, abençoados do Pai e são convidados a tomar posse como herança de um reino há muito tempo preparado para eles, desde a fundação do mundo, nas palavras de Jesus.

     A ênfase para que estes tenham direito como herança de posse neste reino está relacionada àqueles flagelos que sempre assolam o homem e principalmente àqueles mais indefesos: Fome, sede, abrigo, nudez pela falta de vestimenta, visitação aos doentes e detentos em prisões. E qual não será a surpresa destes que se encontram a sua direita ao ouvirem essas palavras do rei, ao mesmo tempo que o indagam em que momento de suas vidas eles o encontraram nestas situações de fragilidade humana e o teriam ajudado. A emblemática reposta de Jesus tem um forte apelo de natureza social pelo fato de destacar o sentimento de solidariedade que deve se fazer presente em cada um de nós. Ou seja, independente de quem quer que seja estes sempre tocaram suas vidas com um forte sentimento de solidariedade para como os mais necessitados. Eles foram, na essência movidos por misericórdia, ou deixaram ser envolvidos pela misericórdia divina. A designação pequeninos, indefesos, ou desfavorecidos, ilustra bem que essas pessoas foram movidas pelo sentimento de amor ao próximo e que amar o próximo é amar a Deus e amar a Deus é amar o próximo.

     Ao direcionar suas palavras àqueles que se encontram à sua esquerda as coisas já mudam de aspecto. E suas palavras soam como um grande brado de censura acompanhada de um juízo rigoroso. Eles são chamados de malditos ou amaldiçoados. E pelas razões que fizeram com que fossem separados dos demais, e, no caso destes a esquerda, foram equiparados ao bodes. Eles não praticaram nem um ato sequer de solidariedade humana para com os seus semelhantes tal como na descrição dos que estão à direita de Cristo fizeram. Pelo contrário, muitos pequeninos e indefesos passaram por suas vidas sem que fizessem caso algum deles. O destino deles é o fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos. Ou seja, o fogo eterno não estava preparado para eles. Para estes que agora se encontram a esquerda do Filho do Homem também estava preparado como herança o Reino de Deus desde a fundação do mundo. Porém, uma vez que escolheram uma via diferentemente da solidariedade de amor a Deus e ao próximo, não haveria uma alternativa de destino diferente dessa que agora através do juízo divino é revelado nas palavras de Jesus pela sua presença e em cumprimento de sua promessa de volta.

     O fato de cinco virgens insensatas estarem de fora da câmara nupcial é sintomático e elucidativo, uma vez que demonstra que suas ações foram ajuizadas, muito embora estivessem em pleno gozo de suas faculdades mentais e tendo agido de forma livre e desimpedida. Ainda assim foram alijadas do convívio do noivo e ficaram de fora. No caso do servo e seu único talento, ele teria que ser essencialmente proativo ao negociar o talento sob sua responsabilidade. Tinha também por força de sua condição social enquanto servo que prestar obediência a seu Senhor. E entendo que, neste caso, não se pode qualificar ou comparar o este senhor da parábola como Deus. E a separação ocorrida na narrativa do juízo final feita por Cristo, onde o que está sob julgamento não é efetivamente a condição em que cada de um nós nos encontramos. Seja aquela em que a expectativa de vida é parecida com a dez virgens, ou a que a condição social destaca um tipo de relacionamento entre um senhor e seu escravo. Em ambas as situações o que se torna bem comum é o rompimento com qualquer tipo de meritocracia. E o fato de se apontar que aqueles que estão a direita do Cristo vão possuir um reino que está preparado desde a fundação do mundo. Mostra que estes através do tipo de vida que optaram para si ao se tronarem solidários para com seus semelhante, cumpriram e honraram com aquele objetivo proposto  Deus desde a sua criação. Pois tudo que criou era realmente muito bom. O Reino de Deus não é recompensa. Ele consiste de uma vocação natural fundamentada na Criação e jamais esquecida. Estamos falando de escatologia no evangelho de Mateus e ela nos remete aos princípios estabelecidos pelo próprio Deus em sua Criação

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Bibliografia



KÜMMEL, Werner Georg. Intr. ao Novo Testamento. Trad. Isabel F. L. Ferreira
         São Paulo, Ed. Paulinas, 1982, 798 p.


TILLICH, Paul. Filosofia de la Religion, Trad. Marcelo Péres Rivas.
       Buenos Aires, La Aurora, 1973. 185 p.

SCHREINER, Josef & DAUTZENGERG, Gerhard. Forma e Exigências do N.T.
        Trad. Benôni Lemos. São Paulo, Ed. Paulinas. 1977, 586 p.

RIENECKER, Fritz & ROGERS, Cleon. Chave linguística do N.T. Grego. Trad.
       Gordon Chown e Júlio Zabatiero. São Paulo, Vida Nova. 1985, 639 p.

 
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*Moĩra - Nominativo grego singular, feminino relacionado à divindade do destino.

**Morai - Nominativo grego plural, feminino - Estultas, tolas, insensatas.

***Phronimoi - Nominativo grego plural, feminino - Sábias, sensatas, equilibradas.  

****Parousia - Forma nominal do verbo grego Para eimi _ É um particípio presente grego na condição de um nominativo singular feminino. Termo do novo testamento que sempre se utiliza para se referir a expectativa dos discípulos pela volta de Cristo.

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