Resenha Crítica:


RATZINGER, Joseph & D'ARCAIS, Paolo Flores. Deus existe?
        Trad. Sandra M. Dolinsk, São Paulo, Editora Planeta. 2009





Por

Aloizio José dos Santos





     INTRODUÇÃO


     A discussão de um tema como este que trata da questão da existência de Deus ou não, já não traz em si tantos atrativos. A não ser que seja uma discussão ou debate protagonizada por um cardeal ou príncipe da Igreja Católica Romana e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Antigo tribunal do Santo Ofício, de histórias memoráveis e controvertidas ao longo de sua existência. E um debatedor a altura desse status principesco de um cardeal.

     Qualquer outra informação quanto a qualidade e capacidade acadêmica de ambos os debatedores pode ser melhor suprida na aba desta obra. A obra em si resume-se a transcrição integral e publicação em texto de um debate realizado no teatro Quirino em Roma, em 21 de Fevereiro de 2001. E posteriormente foi publicada em um caderno especial da Revista MicroMega. Na França foi publicada pela editora Payot & Rivage, e na Alemanha pela Wagenbach.


     Vale ressaltar um aspecto muito positivo em sua tradução, onde a tradutora manteve o clima de debate e expressividade típicos de um encontro para se discutir ideias, porém, com o sentido de oralidade neste ambientes. Com isso, o evento se notabilizou não somente devido a capacidade intelectual e acadêmica dos seus debatedores, bem como pela capacidade argumentativa e expressiva dos mesmos diante de um público. A tradução buscou preservar isto e creio que alcançou este objetivo.

     Entram na composição também desta obra em Português o acréscimo de dois textos respectivamente de ambos os debatedores. Sendo assim a estrutura e organização da obra ocorreu da seguinte maneira e obedecendo a sequência que segue: A PRETENSÃO DA VERDADE POSTA EM DÚVIDA, que aborda a crise do cristianismo no início do terceiro milênio, por: RATZINGER, Joseph. Depois o debate mediado por Gad Lerner abordando o tema: DEUS EXISTE? E, num terceiro momento o texto ATEÍSMO E VERDADE, de autoria de D'ARCAIS, Paolo Flores.

     Em "A PRETENSÃO DA VERDADE POSTA EM DÚVIDA", Ratzinger desenvolve sua abordagem desde uma perspectiva de crise em que se encontra o cristianismo_ Europeu, e aponta que essa crise é decorrente de sua pretensão de verdade. Por outro lado, é partir dessa pretensão de verdade que se alimentou historicamente o ceticismo, segundo ele, em sua totalidade. E indica a equivalência de teorias científicas com algumas das principais doutrinas religiosas. O exemplo mais emblemático é a Teoria da Evolução se rivalizando com a Doutrina da Criação e etc.

     O texto também nos remete a alguns eventos de natureza histórica e filosófica tendo sempre como nascedouro de tudo isso o ambiente europeu. A sua origem e formação católica e romana está muito presente nesta análise não por se debruçar sobre uma temática bastante atual, porém por se manter fiel à visão tomista e aristotélica ao reler com o intuito de proporcionar uma nova roupagem à polaridade Deus_Natureza. O que naturalmente o faz apontando os motivos pelos quais do ponto de vista de uma racionalidade, ou racionalismo, existe a separação entre a Física e a Metafísica.

     O debate propriamente dito foi gratificante por coroar o encontro de duas vertentes antagônicas: Uma de matriz religiosa e outra de uma entre as várias e multifacetadas matrizes ateísta. Mas a coroação deste encontro ocorreu pela forma magistral com que foi conduzido. O mediador, Gad Lerner, não perdeu a oportunidade ao fazer o registro de sua participação indicando sua origem judaica e, num tom irônico, atribuindo a inconveniência do título do debate devido a brutalidade da pergunta proposta. E que por isso mesmo, aquele debate se assemelhava mais a certas disputas medievais.

     Toda a dinâmica do debate gira em torno do que o mediador estabeleceu do ponto de vista de uma polaridade entre Cristão-Ateu, ou Crente-Não Crente. E do que ambos podem ter em comum. O que não existe de comum é o fato de que, segundo o ateu(Paolo Flores), a relação é assimétrica, já que o crente está interessado na conversão do não crente, enquanto que o ateu não está nem um poco interessado que o crente perca a sua fé. 

     E com o propósito de esclarecer com maior clareza o sentido e os desdobramentos do significado da palavra ateu, Paolo Flores dá exemplos da intensidade com que o ateu desfruta de sua existência. Tudo gira em trono de uma existência aqui e agora. E é com base na existência que tudo toma forma para o ateu. Flores, também avoca o discurso de tolerância desde que seja recuperada a fé das primeiras gerações cristãs, pois identifica com elas uma peculiaridade desprovida de racionalidade. 

     Paolo Flores, neste caso, faz referência tanto a São Paulo quanto a Tertuliano, ícones de uma fé que é escândalo para a razão. E por conta disso, não tem nenhum tipo de característica impositiva tal como se apresenta o arcabouço de construção católica e a sua pretensão em ser a culminância do que é característico no homem e na razão. E para tanto  a fé a que Paolo Flores faz referência usou de todos os instrumentos de persuasão com o objetivo da conversão, inclusive o braço secular do Estado. 

     Já o cardeal Ratzinger que, por sua inegável e profunda formação intelectual, acadêmica e religiosa, não se preocupa com uma refutação do argumento de Paolo Flores sobre sobre onde, como, ou a partir de que circunstâncias pode acontecer algum acordo no tocante a tolerância entre crente e não crentes. Mas se apropria do discurso de absurdidade da fé utilizado por Flores para acrescentar a esta mesma leitura a passagem que relata o episódio de São Paulo no Areópago de Atenas. 

     É entendimento de Ratzinger que nesta passagem da Bíblia, o apóstolo mostra-se familiarizado com os filósofos e até faz citação de alguns deles. E vê na mesma o início do que historicamente se constituiu numa ponte de transição entre a fé e a razão. Para ele isso foi tão real, significativo e emblemático que, a rigor, não se pode mais distinguir o que seja a fé cristã e a filosofia onde o ápice de amalgamento deste evento ocorre de forma expressiva por meio do racionalismo.

     Em "ATEÍSMO E VERDADE" que, diga-se de passagem, é um texto que desenvolve uma leitura brilhante. Paolo Flores, desde uma perspectiva compartilhada por todos a partir de um horizonte tipicamente europeu, observa no transcurso do desenvolvimento histórico da fé católica a construção e pretensão de ser a única detentora da verdade. Para tanto reduziu o conceito de verdade à verdade revelada e se auto proclamou herdeira dessa tradição sob os auspícios de seu Magistério.

     Este tipo de funcionalidade desde uma perspectiva da fé que Flores analisa  com tom de denúncia uma vez que a partir desses conteúdos de fé que segundo ele, ELUDE o tema da verdade. É então na hermenêutica que se aflora a partir dos conteúdos da fé o sentido que se possa dar. Em outras palavras é a forma não argumentativa de se relacionar com a verdade.

     Há também na contra partida uma severa crítica ao que ele chama de um ateísmo não representativo, ou uma fé de sinal contrário. Já que não representa aquele ateísmo que se concentra na crítica das pretensões de verdades representado por Kant e outros pensadores. O que o texto faz e de uma maneira brilhante é estabelecer no horizonte histórico e europeu a existência de duas tradições. Uma delas é a católica e a outra é a tradição cética e ateia.

     Como já foi dito no início desta resenha se não fosse a participação destas figuras antagônicas, emblemáticas e representativas dessas duas tradições: A católica e ateia. Talvez o livro não fosse tão interessante por abordar uma temática muito massificada neste início de milênio. O que é mais notável ainda é o fato de que ao dialogarem expõem suas posições contrárias, porem trilhando um caminho comum. Portanto se espelham neste terreno comum a ambos que é tanto a fé católica quanto a tradição humanista.

     A obra é muito agradabilíssima e tem uma leitura palatável. Ela, inclusive, deveria servir como um livro texto de iniciação para nós que não somos de origem e formação europeia. De certa forma, o que fica patente, principalmente nas intervenções de Paolo Flores é que qualquer indivíduo com uma formação básica no pensamento europeu é capaz de ler a escritura sagrada, livro texto dos cristãos, independentemente de sua confissão de fé ou não.

    Recomendo esta leitura não apenas por todos os contra pontos e que são muito representativos, como também pelos paradoxos que podem sim ser detectados. Quando são paradoxos, impreterivelmente eles também apontam alguns elementos comuns por onde também podem ser construídos determinados diálogos. Fica então a recomendação e boa leitura.







       
     

     

     

      






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