BÍBLIA VERSOS CIÊNCIA?



HEBREUS - 11:1 - 3







Pela fé entendemos que os mundos pela palavra de Deus foram criados; de maneira que aquilo que se vê não foi feito do que é aparente.


Existe algum tipo de compatibilidade entre a Bíblia e o conceito ou conceitos que temos construído sobre a ciência ou ciências nesses tempos de pós-modernidade?






INTRODUÇÃO



     Eu gostaria de demonstrar toda a minha imparcialidade para desenvolver este assunto que ao longo desses dois últimos séculos cada vez mais gerou polêmicas. Entretanto, o meu medo em me tornar parcial se justifica muito mais devido às minhas limitações. Haja vista que não sou um homem de ciências, mas sim de letras, de literatura. Alguém muito mais habituado a lidar com as palavras, ou como alguns que me conhecem e compartilham da mesma fé e esperança, um ministro da palavra.

     Por outro lado é meu desejo desenvolver este assunto do ponto de vista de uma ação de caráter propedêutico no sentido de que a proposição que quero desenvolver seja capaz de  ordenar e, porque não dizer, disseminar elementos que possam se constituir nos prolegômenos de alguma disciplina científica que alguns dos meus leitores possam construir futuramente. Se este objetivo será alcançado somente o tempo poderá testemunhar. Porém sou suficientemente otimista de que em qualquer situação futura desde que a semente seja lançada, algum fruto objetivamente falando haverá de ser colhido.

     Eu também gostaria de esclarecer que o teor e desenvolvimento deste tema da forma como me foi proposta. E, neste caso, a sinceridade de minha parte é fator sine qua non já que não tenho tanta certeza se esta proposição temática deve ou não ser conduzida na base de uma polaridade entre a Bíblia e a cultura humana onde se instalou os acervos do conhecimento do homem, bem como suas ciências ou ciência. Do ponto de vista doutrinário, a Bíblia é um livro de caráter religioso e inspirador de deliberações dogmáticas decorrentes de hermenêuticas construídas ao longo de sua história enquanto processo de constituição do cânon e posteriormente a este processo.

     As respectivas leituras hermenêuticas construídas entre as muitas gerações que até hoje a utilizam como parâmetro da Revelação e das construções éticas e morais do homem. São capazes de concentrar nela e fazer dela o elemento norteador do que comumente conhecemos como princípios da religião cristã. Essa cultura religiosa consagrada pelos princípios chancelados pela escritura(Bíblia), evidentemente que teve seu desenvolvimento por intermédio de uma catequese que se espalhou por todo o mundo ocidental.

     A expansão cristã é um fenômeno que desde o seu início esteve atrelado a palavra, e esta como instrumento de leitura do mundo, mas que obedece também a uma dinâmica de construção e reconstrução deste mesmo mundo. Consequentemente em algum momento seria mais do que natural e provável que enfrentaríamos situações como as que se nos apresentam e que atualmente têm sido entendida e recebida hermeneuticamente na forma dos muitos relativismos. Este estado de coisas é resultante do espírito de inquietação do homem e de sua natureza tanto física quanto espiritual, mas com aptidão e propensão ao transcendental.

     De certa forma e, grosso modo, tenho traçado a linha de desenvolvimento histórico por onde devo conduzir este tipo de abordagem. Pode ser que ao final deste texto tenhamos traçado e com grande sucesso o pano de fundo de onde nos encontramos atualmente. E quando passo a fazer afirmações como esta sobre como e onde nos encontramos, a referência está diretamente relacionada ao contexto sócio-histórico-cultural latino americano. E mais especificamente à periferia do Rio de Janeiro. É evidente que seja lá onde estejamos, a abordagem de tais temas que por mais relevantes que sejam não pode perder de vista o dimensionamento sócio cultural onde estamos inseridos.

     Se isto é efetivamente da forma como foi colocado pelo parágrafo anterior. Não resta dúvida de que também a opção teológica aqui adotada é uma forma de se dialogar com a cultura. E dizer que se tenta dialogar com a cultura é também uma forma de se construir uma espécie de atrito com o princípio protestante de que a revelação apenas acontece no âmbito da fé e com a chancela da própria Palavra de Deus(Bíblia). É o que chamamos de Analogia Fidei. Sem este diálogo com a cultura, a meu ver seria como se vestíssemos uma camisa de forças. É não é exatamente isto que procuramos, pelo contrário, o que se busca e que deve se resumir apenas numa frase: Buscamos novas forma de intermediação.

     Outro fator que impreterivelmente é nosso grande quebra cabeça, é o fato de que seremos ou não capazes de introduzir uma nova nomenclatura que represente com fidelidade todo este arcabouço histórico. Ou ao final seremos obrigados a reconhecer que a decisão mais sensata é nos apropriarmos e mantermos todo este arcabouço histórico e porque não dizer teológico já estabelecido ao longo de séculos, sem que sobre ele façamos ou teçamos qualquer tipo crítica. Para tanto o esforço de reconstrução também é suficientemente hercúleo. De certa forma este tipo de experimentação que fosse capaz de traduzir todo tipo de tradição religiosa para uma situação mais real e contemporânea foi feita, porém sob severo tiroteio(Teologia da Libertação), claro que tudo isto do ponto de vista de um contexto eminentemente latino americano.

     Recapitulando um pouco nossa situação, entender a questão bíblica e escriturística do ponto de vista da ciência demanda uma perspectiva sócio-histórica-cultural. Isto significa que é imprescindível uma leitura honesta, sincera e humilde de cada tempo. E, acima de tudo, não perdendo o foco de que mexemos com princípios religiosos que representam a condição de milhões de pessoas e que a partir das mesmas são avocadas situações de que estes mesmos têm encontrado, desde a revelação, o Deus vivo e misericordioso que fez de cada um de nós, seres humanos, bem como de toda a criação o objeto do seu amor e de sua misericórdia.

     Até aqui toda a tentativa utilizada na construção deste texto tem sido norteada com o objetivo a luz de perspectivas históricas de se identificar as metodologias ou a metodologia fundamental por onde se baseou a fé cristã no processo de estabelecimento de seus princípios e na formulação da cultura ocidental. E a Bíblia independente de sua condição de livro-texto de religião de uma boa parcela da humanidade. Especialmente daqueles que fazem parte e vivem do lado ocidental da Europa, contribuiu muito para a definição e estabelecimento da cultura religiosa e cristã no ocidente.

     A minha opção em começar a abordagem deste tema primeiramente falando da Bíblia e sua questão escriturística foi dada como justificativa de minha formação na literatura. Porém, de que modo devo proceder agora ao tocar nessa temática do ponto de vista da ciência? Talvez pra que a abordagem siga, ainda que de uma forma paulatina e progressiva, levando em conta que algumas situações ao serem abordadas consequentemente trazem consigo o atrelamento de outras situações, e, neste caso, a própria perspectiva histórica aqui utilizada foi capaz de lançar mão de uma ciência muito antiga, ou tão antiga quanto a construção e estabelecimento do conceito de palavra de Deus. 

     Entretanto, e a despeito de estarmos falando de uma abordagem com situações temáticas bastante atuais, é improvável e quase inexequível que nos limitemos a situações de um tempo muito próximo de nós. Temos então que buscar alguns fundamentos nos acervos que o próprio homem foi capaz de construir desde o mundo antigo. E ao mesmo tempo também corremos o risco de incorrermos em certos anacronismos. O conceito de história aqui utilizado busca fazer e recuperar ao aludir ao conceito grego o sentido primeiro que lhe foi conferido: HISTÓRIA _ ἱστορία, e que literalmente significa pesquisa. Ou seja, é toda pesquisa ou levantamento que se faz a cerca do homem e nos seus diferentes períodos de desenvolvimento através dos tempos.


     Recuperar o significado primeiro de HISTÓRIA no sentido dado pelo espírito grego é também demonstrar que essa tendência humana em levantar dados com objetivo de coletar informações e a partir das mesmas construir conhecimentos não é e nunca foi uma prerrogativa da modernidade. Um dos exemplos que marcam enfaticamente a veracidade dessa afirmação são as bibliotecas que se construíram e eram famosas já na antiguidade. Esses locais foram a seu tempo exímios detentores e guardiães do saber humano. Eles ainda cumprem com esta função, muito embora tenham que dividir essa função honrosa com outros instrumentos ou ferramentas dos mais variados para se custodiar a produção do saber filosófico, científico e cultural humano.  

     E por falar e enaltecer as bibliotecas que se espalharam pelo mudo, não custa nada atribuirmos de igual modo e importância o que a BÍBLIA é também quando o assunto é a custódia do saber humano. Ela na qualidade de uma biblioteca e esta afirmação acaba tornando-se uma redundância na acepção da palavra, já que o termo BIBLÍA _ Um nominativo neutro grego que está no plural e na forma de diminutivo_ Livrinhos, também é um acervo de registros onde são passíveis de informação desde que haja um levantamento para tanto dos elementos culturais, sociais e religiosos, obviamente. Em variados locais e épocas desde o oriente do mundo antigo até o ocidente sob a dominação romana.

     É evidente que as ciências que foram utilizadas em sua análise estão elencadas desde a manuscritologia, ou baixa crítica até a crítica textual, ou alta crítica. Com isso, impreterivelmente alguns tabus travestidos de uma aura dogmática tiveram que ser quebrados. E muito embora ela tenha passado por severos ataques desde que para tanto se tornou o livro texto de um segmento importante tanto da cultura quanto da religião de uma parcela considerável da população mundial. Ela tem sobrevivido e se tornado um elemento primordial para a edificação de vidas daqueles que não somente a vêem como um livro de religião, mas acima de tudo como Palavra de Deus.

     Uma das qualidades para que alguém faça ciência ou construa conhecimento é a capacidade de levantar questionamentos e a consequente escolha de metodologias que sejam passíveis de utilização para que estas questões possam ser conduzidas para o objetivo a que o pesquisador se propôs. E a Bíblia do ponto de vista das ações investigativas que para ela foram e têm sido direcionadas, tem se saído muito bem, já que ela não perdeu sua credibilidade. Todavia,  o foco deste texto não necessariamente é este. Já que ele parte da premissa de um livro com conteúdo religioso suficientemente aceito pelos fiéis que vêem nele um livro de pura revelação divina e nada mais.

     Todavia, a mudança de foco, neste caso, não é meramente uma mudança metodológica. Neste caso tem que estar presente uma perspectiva histórica de evolução do pensamento humano. E consequentemente a introdução de metodologias que repercutem alterações drásticas de parâmetros de análises científicas relacionadas à modernidade. E ao se fazer referência à modernidade não se pode omitir o seu caráter de experimental_ Tudo gira em torno daquele processo comumente conhecido como EMPEIRIA. Ou seja, a simples afirmação de caráter dogmático tendo por base algum princípio escriturístico, já não é mais encarado como uma verdade absoluta se na confrontação de dados científicos e atualizados as coisas tendem tomar uma direção oposta: Vide Doutrina da Criação x Teoria da Evolução; Doutrina do Pecado Original x Conhecimentos adquiridos com uma vasta base de dados a cerca do origem do homem.

     No terceiro parágrafo desta introdução fui capaz de falar sobre minhas incertezas quanto ao desenvolvimento deste texto na base de uma polaridade entre a Bíblia e a cultura humana onde está radicada também toda a construção social, histórica, cultural e porque não dizer científica do homem. E querendo ou não, essa polaridade ou polaridades mais cedo ou mais tarde sempre aparecem. Pois, de um lado, está a Bíblia e de outro a proposição de uma nova percepção e apropriação do saber. E a questão nevrálgica diz respeito às competências de cada lado quanto a apropriação da verdade. Que é o que nos espera no transcurso e desenvolvimento deste texto introdutório.





I - O CONCEITO DE RAZÃO DO PONTO DE VISTA DAQUELE QUE TEM COMPETÊNCIA PARA RACIOCINAR E RACIONALIZAR.


     Ter competência para racionalizar, ou raciocinar subtende que seja alguém com a capacidade abarcadora de leitura do mundo. somente um ser é capaz de fazer isto no mundo. Isto é, o homem. Logo, tanto a natureza do conhecimento e a forma como ele se origina no mundo exibe um DNA antropológico. Toda e qualquer afirmação neste sentido e que leva em consideração elementos de natureza epistemológica jamais deixarão de ter tanto uma base antropológica quanto ontológica, pois é o homem que está tanto na condição do apreender e racionalizar os elementos de sua apreensão que historicamente resultarão na produção de conteúdos. 

     De uma maneira esclarecedora definir o conceito de razão torna-se uma obrigação para melhor entendimento do campo onde estamos transitando. E filosoficamente falando deveríamos buscar da melhor forma essa qualidade dócil do pensar filosófico. E realmente se busca essa qualidade, mas jamais pensando que quem pode ter acesso a esse tipo de docilidade seja alguém não muito habituado ao que chamamos de vocabulário ou nomenclatura filosófica básica. E não há muito o que fazer neste caso, se não contarmos com o espírito de benevolência de quem se expressa por meio desses pressupostos.

     Novamente quero retomar aquela questão sobre a polaridade entre Bíblia/Ciência e a luz de um conceito como razão ontológica enquanto conteúdo historicamente demarcado pela tradição clássica que remonta de Parmênides até Hegel. E, que por força do discurso e retórica teológica, tem prevalecido até então, muito embora o ônus desta perseverança o tenha relegado ao ocaso de um enquadramento simbólico.  A despeito deste enquadramento que eu diria ser uma forma um tanto quanto eufemística de tratar esta razão do período clássico, o resultado final é a certeza de que desta maneira os seus críticos a tratam como ineficaz e improdutiva.

     Como tudo aqui pode ter uma tendência para o lado experimental, até mesmo a produção deste texto entra por este caminho. E me pergunto se seria o caso de utilizarmos uma metáfora como a da lente microscópica que dependendo de sua potência é cada vez mais capaz de ver coisas que os nossos olhos nus, a nossa visão natural jamais alcança? Talvez fosse o caso de nos perguntarmos com que tipo de lente estamos trabalhando, ou não estamos utilizando nenhuma delas? Elas são instrumentos de verificação, mas quem faz uso das mesmas precisa ter também uma capacidade investigativa, crítica e ao mesmo tempo saber o que afinal de contas procura.

     Desde a perspectiva bíblica e escriturística e tomando por base a metáfora da lente microscópica, impreterivelmente aquele princípio reformador me salta a memória: Scriptura sui ipsius interpres. Evidentemente que o valor dogmático, histórico e, acima de tudo, emblemático desta afirmação estão presentes aqui. Mas foi e continua sendo até hoje em boa parte dos segmentos cristãos espalhados por este mundo a fora um princípio norteador e uma forma de lente com que se vê e se analisa tudo na vida. Já que também vem acompanhada com declarações corolárias tais como: "A Bíblia é a única regra de fé e prática."

     O fato de que a Bíblia desde o mundo acadêmico tenha sido relegada ao grupo de textos religiosos e portanto e decisivamente encarada como texto de natureza simbólica e mítica, começando primeiro desde o início da crítica textual e exegética no interior de nossas trincheiras. Porém, espalhando-se por todos os centros acadêmicos leigos ou não. É resultado imediato de que foi submetida ao crivo de um comportamento embrionário, porém, com todas as características de um cientista moderno onde todo tipo de afirmação tem que estar sustentada por uma base de dados levantados e efetivamente por seguidas testagens e observações críticas e minuciosas. Constitui-se emblematicamente, se é que se pode falar dessa maneira, em sua derrocada e destituição de seu status e tem como consequência o processo de racionalização a que foi submetida e que a relegou ao simbólico mítico e inusitado.

     Portanto, a ascensão do empirismo que é um marco ou ápice da idade moderna, pelo menos na visão daqueles que compartilham desse movimento filosófico, decreta de um vez por todas no interior dos centros acadêmicos o banimento das escrituras sagradas como fonte inesgotável de conhecimento, assim como aqueles que se diziam seus reais intérpretes, os detentores da verdade por ela difundida, ou sequer como fonte de conhecimento. Subjaz a esta situação também uma querela que demarcará o contraste entre o que é o empirismo e o racionalismo. Uma vez que, este último ainda produzirá enquanto ferramenta filosófica um processo de racionalização para divulgação da Bíblia enquanto escritura sagrada durante as muitas missões que surgirão neste período da idade moderna. 

     Pois bem, foi devido ao que aconteceu no advento do movimento criado por um grupo de pensadores e que mais tarde ficou tão somente conhecido como empirismo inglês é que ocorreu a desvinculação da razão técnica do escopo maior que a abarcou durante muito tempo, a razão ontológica. A esse processo ao qual também se aduziu as grandes transformações sociais, culturais e políticas se cunhou chamar de modernidade. Já que uma espécie de grito de liberdade do homem e a emancipação de uma razão autônoma sem que estivesse atrelada a preceitos de natureza clássica, medieval e por que não dizer teológica.

     O grande método que por excelência foi consagrado  e celebrado nesta época é o método por indução e que se contrapôs ao dedutivo e toda a tradição medieval e nominalista que este trazia consigo. Na indução o raciocínio parte de observações e fatos particulares para daí se tirarem as conclusões. De uma maneira geral, o pensamento iluminista e o empirista acreditavam que o verdadeiro conhecimento estava na experiência através dos sentidos e viam tanto na razão quanto na ciência a verdadeira forma de se conhecer o mundo e consequentemente de se relacionar com ele.

     Esta é também uma época que marca o desmoronamento das estruturas institucionais como a Igreja Católica e as monarquias absolutistas tais como a francesa que ruiu dando início à Revolução Francesa, assim como o florescimento dos estados modernos, democráticos e humanistas. Inspirados nos direitos igualitários para todos os seus cidadãos. Somente a título de informação para concluir este tópico. É importante esclarecer que as mudanças sociais e políticas na Europa desde o século XVI. Primeiramente impulsionadas pelo movimento da Reforma, somente obtiveram uma mudança mais eficaz através desses movimentos humanistas e com a mudança radical da base filosófica ainda inspirada nos pensadores clássicos da antiguidade.





II - O QUE A BÍBLIA ENQUANTO PALAVRA DE DEUS TEM A NOS DIZER SOBRE ISTO?


     Não foi sem propósito que utilizei e afixei lá no topo deste texto os versos 1, 2, e 3 do capítulo 11 da epístola aos hebreus. Todo o capítulo 11 e não somente estes três versos, tende a responder algumas questões que já nesta época do cristianismo eram colocadas aos crentes como desafios a serem superados. No tópico anterior me vali da metáfora da lente microscópica para vermos o que de fato tem acontecido a nosso redor. Com isso adquirimos uma capacidade melhor de leitura do mundo. Empreendemos sentido às nossas vidas e, acima de tudo, nos aproximamos de Deus. E ainda costumo dizer que recebemos como um bônus muita sabedoria e entendimento das coisas. 

     Exatamente e, por conta desta metáfora da lente, me atrevo a fazer uma afirmação de cunho dogmático dizendo que a FÉ é nossa lente. E é instrumentalizado por ela que pavimentamos os nossos caminhos, inclusive aquele que nos aproxima, nos conduzindo na direção da presença de Deus. Dá pra se notar que se, num primeiro momento, estávamos aludindo a alguns pensamentos de natureza histórica e filosófica e de como as sociedades do tipo ocidental foram construídas com base em hermenêuticas baseadas em preceitos cristãos, paulatina e simultaneamente ao longo de séculos, se construiu também uma fé de caráter institucional. E não é este tipo de fé que neste tópico me proponho a abordar.

      Esta afirmação está carregada de subjetividade. Mas se tivesse, a luz de minha experiência e vida cristã,  que definir o que significa fé para mim, eu diria que fé é a ferramenta eficaz que me coloca diante e na presença de Deus sem que com isso eu venha sofrer algum "DANO". Notem que é minha intenção destacar a palavra dano, pois não há em minha experiência religiosa como aludir ao ser de Deus e não pensar que sou trazido a juízo. Por outro lado, eu não tenho que me sentir como no caso do profeta Isaías e isto apenas acontece por causa da fé. Todos nós lembramos do que acontece ao profeta no capítulo 6 de seu livro, ele diz diz ter visto o Senhor. E esta visão foi suficiente para que o pânico e o desespero tomasse conta do seu ser: "Ai de mim! Pois estou perdido(...); os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos." (Isaías 6:5). 

     Se tomarmos toda esta epístola aos Hebreus como exemplo, nos deparamos com uma narrativa que se apropria de todos os movimentos no tempo e no espaço, e isto significa o uso da memória histórica por parte do autor, para constatar que o mundo, ou todo este teatro de coisas que entendemos por mundo, ou criação. E a partir desta magistral síntese, o autor enfatiza que o agir de Deus, sua manifestação, sua revelação aconteceu: "(...) Muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais pelos profetas(...)" (Hebreus 1:1). A mentalidade histórica deste autor se revela até mesmo da forma como esse agir de Deus acontece na história de seu povo. Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras no passado, mas agora ele nos tem falado apenas de uma maneira. Teologicamente e exegeticamente falando Ele nos tem falado filialmente.

     O que não se pode omitir neste processo de revelação divina é o seu caráter dinâmico. E por isso também a fé não pode ser tão somente uma fé institucional, já que ela também se revela dinamicamente. Ela é transformadora por transformar tudo ao nosso redor ao mesmo tempo que também transforma tudo que esteja em nosso interior. Por que será que o autor no capítulo 4 desta epístola faz menção da Palavra de Deus comparando-a com uma espada de dois gumes que penetra até a região das juntas e medulas e está apta para discernir os pensamentos e as intenções do coração?(Hebreus 4:12).

     Mas neste momento, vamos nos ater tão somente ao que os versos 1, 2, e 3 deste capítulo 11 nos diz. E muito embora estejamos diante de uma narrativa que atribui situa o momento da criação no passado ela não o faz na intenção de que os efeitos da mesma já não tem mais eficácia para o momento atual. Isto porque é Deus que está também no controle de tudo o que foi criado até agora. Digamos que numa outra forma de se tentar traduzir o que autor tem colocado com tamanha ênfase, que a fé é este elemento catalizador de todas as coisas desde uma perspectiva que tenha como prerrogativa o agir e o controle de Deus sobre a sua criação.

     O verso primeiro então introduz um estilo enfático a partir da posição em que se encontra o verbo ser_ EINAI, aqui flexionado no presente do indicativo e relacionando fé a todo tipo de conotação que o termo_ HYPOSTASIS, possa sugerir: Fundamento, substância ou essência, etc. Este verso também introduz um período por coordenação com a oração seguinte e, por conta disso, estabelece a paridade entre o que se espera_ ELPIDZOMENON com o que ainda não se pode ver_ BLEPOMENON. Isto é o que se pode dizer, desde uma perspectiva cronológica tipicamente humana, e que se introduziu na cultura cristã e ocidental via pensadores como Hegel.

     Impreterivelmente entramos em um assunto de base filosófica. E com muita especificidade numa filosofia da história que vê o tempo através de seus elementos progressivos com início, meio e fim. Todavia, e como fiz menção de uma fé a partir de minha experiência como um elemento catalizador, vale ressaltar a presença desse elemento dinâmico quando se fez menção da qualidade progressiva do tempo e citar um de seus maiores expoentes(Hegel). Porém, é a fé que produz este efeito de que, muito embora exista a dinâmica progressiva do tempo em toda esta narrativa e, em especial no verso primeiro, a ênfase não recai sobre o tempo. É Deus quem está no controle de tudo, inclusive do tempo. Tem muita procedência afirmar que Deus é o Senhor da história.

     O verso dois nos mostra que a dinâmica dessa fé é também capaz de nos colocar como resultado do que um dia, no tempo e no espaço, outros que experimentaram dessa relação bem mais próxima e dinâmica  com Deus, são coparticipantes deste mistério agora revelado. Mas a ideia de que é pela fé que os Antigos alcançam testemunho. Ou mais antigos_ PREBYTEROS, comparativo de PREBYS. Aqueles que fazem de um passado histórico e estes identificados com a trajetória histórica do povo Hebreu, e esta conduzida pelo Deus Todo Poderoso que primeira e historicamente se revela em Israel.

     Chegamos então ao verso três e concluímos que é com base neste arcabouço histórico que inclui tanto os de agora quanto os antigos que também construímos o conhecimento enquanto participação e envolvimento. E que permanece como escopo de uma percepção mental. Com efeito, não se pode querer equiparar o conhecimento advindo de uma relação com Deus e por instrumentalidade da fé com o tipo de conhecimento que grassa hoje nos meios acadêmicos, onde impera a Razão do técnica. E concluir que é pela fé que entendemos que os mundo foram criados pela Palavra de Deus. 

     É também necessário esclarecer que a referência à Palavra de Deus não tem relação com o lado escriturístico. Palavra de Deus aqui_ REMATI THEOU, um dativo singular e instrumental do vocábulo REMA_ que significa uma palavra enquanto está sendo falada. Ou seja, REMA é o ato propriamente dito de falar. O aspecto interessante a se destacar neste verso e que salta aos nossos olhos, diz respeito ao ato criador e criativo de Deus que não tem como qualidade a cessação deste mesmo ato. Em outras, palavras Deus criou o mundo por intermédio de sua Palavra e ao mesmo tempo sustenta sua criação ao estabelecer uma forma que ecoa desde o princípio a palavra que gera e que pelo seu ecoa conserva a criação.





CONCLUSÃO


   
     O problema central e norteador deste texto era no sentido de se responder se existe ou não algum tipo de compatibilidade entre a Bíblia e o conceito ou conceitos que se tem construído sobre a ciência ou ciências nesses tempos de pós modernidade? E com isso, se buscou a construção de uma perspectiva histórica que levasse em consideração o desenvolvimento ou evolução do pensamento humano. Consequentemente a busca por referências históricas e filosóficas era inevitável. Mesmo que de maneira embrionária o texto foi capaz durante seu desenvolvimento de estabelecer algumas nuances demarcatórias e que indicavam que a Bíblia enquanto elemento ainda de formação do cânon sob o espectro de uma aura institucional que dela se apropriou, acabou se transformando para os que não a entendiam dessa maneira instrumento do atraso.

     O resultado catastrófico, porém, previsível era de que aqueles que não compartilhavam dessa posição buscariam outras vias, ou digamos outras formas de se mediar o que ao homem se apresenta como Fenômeno perceptível do ponto de vista de sua característica sinestésica e sensorial. Ou seja, se olharmos a situação desde agora e tendo consciência e distinção de todos aqueles aspectos que também caracterizam o conceito de revelação muito utilizado por todos nós que temos nossas origens no cristianismo, diríamos que a revolução ou reviravolta veio debaixo. E esta revolução e a reviravolta que resultou se traduziu e se multiplicou por instrumentalidade das várias modalidades do pensamento humano e suas escolas filosóficas.

     Não foi sem propósito e, que a rigor, me concentrei em algumas das principais escolas de pensamentos que exploraram tanto a capacidade inata do ser humano de apreender e aprender tendo como base a razão(Racionalismo) e aquela que se baseia na experiência como fonte do conhecimento(Empirismo). De certa forma, essa revolta provocou o desmoronamento de alguns princípios basilares que durante séculos sustentaram as sociedade humanas aqui no lado ocidental. A desconfiança surgia principalmente por causa de uma espécie de poder hegemônico, centralizador e revestido de sacralidade.

    Atualmente, é esta má vontade para com a Bíblia enquanto Palavra de Deus, por ela ter se tornado o instrumento de opressão de uma determinada ordem institucional, que tem impedido um diálogo mais aproximativo com os que representam essa tradição que buscou vias alternativas ao longo dos séculos. Aqueles que construíram a ideia de que a Bíblia enquanto texto sagrado e representativo de um poder institucional foi o instrumento também de opressão, são os mesmos que, apesar de aceitarem a sua presença no ambiente acadêmico, delimitam o caráter investigativo e científico desde uma perspectiva e linguagem de símbolos e onde os mitos estão instalados.

     A principal consequência disso é a redução dos conteúdos cristãos e entre eles a questão da revelação equiparando-os a parâmetros simbólicos e míticos, fazendo com que o cristianismo seja mais uma religião entre tantas outras. Este foi o resultado criado pelo embates que questionaram os fundamentos históricos e filosóficos do cristianismo enquanto religião detentora da verdade entre e por consequência a Bíblia acabou entrando neste tiroteio por ser o livro-texto fundante e fundamental da revelação cristã.

        







   

     

     


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