Por que um padre e não um pastor?

 Por que um padre e não um pastor?



Chegou ao conhecimento do público e com tamanha notoriedade nestes últimos dias, e tem causado um desastre de proporções inimagináveis ao  panorama político brasileiro a notícia de uma trama golpista. A sociedade brasileira foi bombardeada por revelações de uma teoria conspiratória desbaratada pelos agentes públicos e operadores do direito. Tal teoria conspiratória articulada na época pelo então, e agora ex-presidente da República. Naquele exato momento, caso as previsões de derrota acontecessem, e elas aconteceram, o objetivo era não reconhecer o pleito que elegeria o próximo presidente. Isto significaria que a vaca da reeleição foi pro brejo. Pois bem,  a vaca foi realmente pro brejo. E, segundo alguns analistas, a baderna de 08 de Janeiro de 2023, foi a última tentativa no sentido de subverter o resultado das urnas. Mesmo que o atual presidente já empossado estivesse no pleno exercício de seu cargo.


Esse breve relato do atual momento político do país deixa muito a desejar devido ao fato de que as investigações tocadas até aqui e divulgadas pelos órgãos de imprensa ainda são muito incipientes e por esta razão, ao passarem pelo crivo das mídias de um modo gera,l são passíveis de toda sorte de manipulação. Entretanto, e com base nas informações até aqui disponíveis, é o que se tem de material para eventuais apreciações pela sociedade civil. Neste caso, em especial, e sob a perspectiva temática que proponho me debruçar pelas linhas a seguir. A preocupação que aqui será esboçada não busca oferecer mais um texto caracterizado por um relato jornalístico. O objetivo aqui é tão somente buscar algum tipo de entendimento quanto a participação de um membro desse grupo conspirador e ilustre representante da sociedade civil. Mais especificamente sobre a participação de um clérigo na urdidura de tal teoria conspiratória.


O clérigo em questão é o  padre José Eduardo de Oliveira e Silva, sacerdote da Diocese de Osasco(SP). Conforme as investigações da PF, consta a informação de que em 19 de novembro de 2022 ele se fez presente em uma reunião no Palácio do Planalto. O objetivo da reunião era a discussão de uma minuta golpista que impediria a posse do presidente eleito. Mas, a questão que continua e é sobre ela que proponho redigir este texto é: Por que um padre e não um pastor? Uma coisa que não se pode negar é o elemento combativo e contundente de algumas lideranças do ramo conservador tanto evangélicas quanto católicas contra uma certa legenda de esquerda. Pastores, padres e até mesmo alguns bispos. Daria para listar aqui alguns nomes de católicos e protestantes, digo, evangélicos. Pois eles estão sempre ocupando as mídias bem como espalhando suas mensagens de teor  conservador. Nada contra, se é que estamos no gozo de um Estado democrático de direito.


Por outro lado, a percepção que passa quanto a difusão de ideias conservadoras é de que o setor mais conservador e reacionário dos evangélicos tem sido muito mais combativo do que a ala conservadora católica. Basta darmos uma checada nas mídias sociais para se constatar todo esse protagonismo midiático entre os evangélicos. A figura do ex-presidente, embora tenha se declarado católico apostólico romano, ao que parece, o seu “Curral Eleitoral” exibe uma vasta representatividade entre os evangélicos. Não se pode esquecer que durante o governo passado, a presença de lideranças evangélicas que assumiram cargos no primeiro escalão do governo desde ministérios no contexto do poder executivo até ministros do supremo terrivelmente evangélicos. No legislativo, há muito mais tempo se percebe a presença e influência cada vez mais crescente de lideranças evangélicas. 


Quando aquelas pessoas que se dizem patriotas começaram a se entrincheirar nas portas dos quartéis, o clamor era sempre com o objetivo de que as forças armadas pelo uso da força que, a rigor existe para a manutenção da ordem, não cumprisse com o papel que o princípio constitucional lhe outorga. Ser garantidora da ordem constitucional. Esse tal clamor popular pela tomada de poder através das forças armadas brotava principalmente nos redutos evangélicos. É até natural que esse protagonismo clamando por uma intervenção militar tenha sido mais contundente entre os evangélicos. Afinal, a cadeia de comando e de poder entre eles é muito mais simplificada do que entre os católicos. A relação do evangélico com o seu pastor é direta e simplificada. Diferentemente da relação de poder na perspectiva católica e romana. Estamos falando de catolicismo desde uma relação institucional e do que podemos depreender enquanto aqueles que estão de fora. Logo, não se constitui numa crítica à dinâmica interna da relação ovelha-pastor. 


A primeira vista, a presença de um padre e não a de um pastor, não deveria causar muita surpresa em nenhum de nós já que estamos nos referindo a duas autoridades religiosas e eminentes representantes no segmento religioso da sociedade civil. Poderia ser, neste caso, um rabino, um sheik, um monge budista, etc. Mas, o que chama a atenção é o assunto que motivou tanto o convite quanto a adesão ao convite por parte do pároco. A alegação no corpo de investigação da PF era o assunto a ser debatido. Uma minuta acerca das razões ou motivos que estava levando aquelas autoridades a se insurgir contra um sistema que quatro anos atrás os tinha conduzido a dirigir os rumos do país. Do ponto de vista histórico, teológico e até mesmo político ter a figura de um pároco católico para dar sustentação ou chancelar os atos conspiratórios tem uma relevância muito maior do que teria caso em substituição a este pároco estivesse um pastor.


O padre José Eduardo é um palestrante e acadêmico. Dentre sua vasta formação acadêmica há que se destacar seu doutorado em teologia moral pela Università de la Santa Croce. Mas, em que consiste os estudos no horizonte da teologia moral? Fundamentalmente é um ramo da teologia que concentra suas pesquisas no comportamento humano em relação aos seus princípios morais e éticos-religiosos. E aí precisamos entender que em tempos como os que estamos vivendo e testemunhando, a retórica de um discurso de moralização das instituições através do combate à corrupção. A acusação de que a cada dia que passa o liberalismo religioso e antidogmático tem revelado e ampliado os seus tentáculos. Os grupos de defesa da família e dos princípios que sempre nortearam a formação de uma moral cristã tendo como base a cultura judaico-cristã cerne da civilização ocidental. Reagiram a tudo isto, e elegeram como os responsáveis pela instauração desse caos moral e consequentemente espiritual, toda e qualquer onda esquerdista. Mesmo aquelas que se constituem em representações autênticas  de movimentos sociais. 


Não resta dúvida que se realmente houve, nos bastidores de nossa vida republicana, toda uma trama golpista que poderia ter nos levado ao caos social, a perda de vidas e a elevação ao poder, com ou sem a aprovação por meio do sufrágio universal do grupo político que se articulava por meio de jogo sujo, sórdido e desprovido de todo e qualquer senso de responsabilidade civil. Em algum momento, alguns dos elementos de construção, caros a formação de nossa sociedade teriam que ser exibidos como pilares de sustentação para essa aventura golpista. E nada melhor do que a religião. De uma maneira mais específica, nada melhor do que a figura de um clérigo religioso, representante de uma instituição acostumada ao poder. Que em seu passado milenar sempre esteve, em algumas épocas da história mais, em outras menos, porém sempre associada ao braço político do estado¹. É sintomático também a especialização em teologia moral do padre José Eduardo. Até porque o discurso de regimes autoritários na história do Ocidente, à exceção do nazismo, sempre foi pautado pela moral e os bons costumes². Para tanto o discurso religioso e ultra-conservador se encaixavam como uma luva nessa onda golpista com ares de legalidade.


É também evidente que a intenção de se fazer menção dessa instituição religiosa e milenar, o catolicismo, não tem por objetivo envolver tal instituição nessa teoria golpista. O objetivo é tão somente circunstanciar esse arcabouço histórico, político, cultural e religioso em que esta instituição, por ser milenar, vivenciou, testemunhou assim como também participou diretamente(São dois mil anos de historia). Sinalizaria, por outro lado, que nessa aventura golpista existiriam ilustres representantes de uma instituição séria e milenar. Sinalizaria também, do ponto de vista da ação propriamente dita de militares, que, num primeiro momento, o nível de insatisfação da tropa se concentrava apenas ao conjunto de comandados e oficiais de baixa patente. Todavia, caso o movimento crescesse aí sim poderia haver uma participação mais direta e pública dos oficiais generais. Uma vez que estamos conjecturando uma gama de possibilidades dessa aventura golpista, parece que a impossibilidade de que essa aventura chegasse às vias de fato, consagrou a própria incompetência de seus idealizadores, desde a articulação até sua execução. Assim como é fato de que não existe adesão popular para tal insanidade. Não há aqui nenhum tipo de clamor popular. O que há aqui é a insatisfação de alguns setores da sociedade, dentre os quais se destacam aqueles mais abastados. Se eventualmente for provado o envolvimento desse clérigo católico. Isto sinaliza um respaldo daqueles setores do catolicismo com viés extremista, ultra-conservador, xenófobo, misógino e racista.


Todavia, ainda assim, é preciso entender o porquê da participação desse clérigo. As informações que nos chegam até este exato momento(15/02/2024), limitam-se apenas ao envolvimento do padre José Eduardo. E mais uma vez quero deixar claro que o objetivo aqui não visa um linchamento público de sua pessoa, muito menos acusar a instituição religiosa que representa. Entretanto e conforme documentos da igreja, ou seja, as suas bulas, cartas pastorais e etc. Instrumentos pelos quais a instituição se manifesta publicamente³, não a sociedade civil de uma maneira generalizada, porém ao rebanho. Quando existe tal manifestação pública ela ocorre por meio do Sumo Pontífice, ou por alguma autoridade pertencente à hierarquia do clero romano. Tudo, porém, sob a chancela do Sumo Pontífice. E é pela via desses documentos oficiais que se concentram as fontes para respaldar algum tipo de aprovação para o que chamamos de atos golpistas. Nestes documentos pode se encontrar aqueles artigos que condenam a Maçonaria⁴, o comunismo⁵, assim como a liberdade religiosa⁶. 


É evidente que minha preocupação não busca uma detalhada lista de referência a estes documentos históricos e acessíveis a todos. Por outro lado, fazer menção de sua existência, poderia, neste caso específico, ser a justificativa mais plausível para responder ao questionamento que tem norteado a produção deste texto. É perceptível em ambiente católico mais conservador a forma como reagem à relação histórica com o protestantismo. Não há, por exemplo, qualquer tipo de dúvida quanto a um entendimento sobre o termo Reforma Protestante no seio do catolicismo. O que há, é o entendimento de que o que houve no século XVI desencadeado pela Reforma Luterana foi um grande Cisma, assim como todo e qualquer protestante são literalmente uns revolucionários. 


Considerando a hipótese de que realmente aconteceu essa trama golpista, acho que os seus articuladores embora tenham mostrado toda sorte de incompetência na execução dessa trama, acertaram ao escolher um padre e não um pastor. Pois, qual era o objetivo senão a restauração da ordem, da moral(religiosa), dos bons costumes. A preservação da vida(claro, quando o assunto é aborto). Evangélico nenhum deve pensar que essas pautas são suas, pois não são. Elas fazem parte de um documento compilado no seio do catolicismo denominado doutrina social da igreja⁷. Logo, foi, de certa forma, respondida a questão norteadora e foco principal desse texto. Entretanto, dela decorre, se considerarmos a hipótese de que tal argumentação possa eventualmente se tornar  num projeto de pesquisa acadêmica, a partir de um problema central que aqui nos propusemos debater. Se há a evidência de um problema central, de igual modo deve haver uma hipótese central, que como já disse, aqui foi respondida. 


Falta porém o desdobramento, ou o corolário dessa hipótese central. É desta forma que naturalmente deverá haver, metodológica e academicamente falando, a mudança de foco neste texto. O objetivo é tentar entender o grau ou nível de participação daqueles setores do evangelicalismo brasileiro que participam de forma cordata, ou contundente, e são signatários dessa trama golpista. Principalmente quando aludimos dentro deste segmento, aos grupos evangélicos com viés pentecostal ou neopentecostal. Os outros setores mais ligados às denominações históricas, não fazem tanto barulho e até se silenciam. Porém, o silêncio deles tem posição. Imaginemos um tabuleiro de xadrez e a maneira como suas peças estão dispostas. Na linha de frente encontramos os peões. Vale dizer que são as primeiras peças a serem tiradas do jogo. Elas estão ali para serem sacrificadas na defesa das outras peças mais importantes como a torre, o cavalo, o bispo, a rainha e principalmente o rei. Pois se você perde o rei, significa que o jogo está perdido. Os evangélicos, desde sempre, no jogo político desse país, estão sempre sendo colocados na linha de frente como se fossem os peões do tabuleiro de xadrez. O maior exemplo para respaldar este argumento estão nas razões que levaram os idealizadores desse golpe a chamar e consultar um pároco e não um pastor.  


E  pensar que na dinâmica histórica de relação entre catolicismo e protestantismo, do ponto de vista de suas posições religiosas e dogmáticas, ambos coexistem mais ou menos e de forma pacífica. Porém, a existência de um compromete a existência do outro. Se pensarmos desde uma perspectiva católica e ultraconservadora, não existe qualquer possibilidade de convivência entre ambos, pelas razões já expostas e celebradas por documentos já referenciados. O protestante é o herege e infiel que foi capaz de causar um cisma e esta ferida não está até hoje cicatrizada. E se no passado foi a forma truculenta e desmedida com que lidaram com aquilo que chamamos de heresia, não esperemos que esse tipo de conduta seja algo que não possa se repetir uma vez mais entre nós. O lado institucional desse catolicismo ultra conservador tem na figura do padre José Eduardo  um discurso conciliador. Ele participa de encontros com evangélicos pelas mídias sociais deste país. Mas, não nos iludamos. Ele é um representante desse catolicismo ultra conservador de onde também surgem leigos com uma forte relação com alguns políticos ligados à extrema direita.


Olhar a figura desse clérigo como foi feito no parágrafo anterior destacando seu caráter conciliador uma vez que tem bom trânsito entre alguns influenciadores e pastores dessa nova cara do mundo gospel brasileiro. Que acena com a bandeira de alguns princípios defendidos por ambos os lados tais como a luta contra o aborto, contra o comunismo, etc. Apenas mascara os grupos que ele representa no meio católico. Talvez fosse o caso de se fazer algum tipo de recomendação no sentido de que esse novo mundo gospel brasileiro visitasse algumas leituras como a “Confissão de Fé da Guanabara"⁸. E quem sabe até investigarem com bastante esmero e acuidade alguns eventos históricos que sucederam no velho mundo: “A guerra dos trinta anos⁹ e a noite de São Bartolomeu”¹⁰. 


Ao que parece, a escolha desse pároco como consultor de uma provável minuta golpista deve ser entendida tendo como pano de fundo um arcabouço histórico dimensionado por embates seculares entre católicos e protestantes. Ele dimensiona também no plano político, social e ideológico que, se tal urdidura de golpe realmente aconteceu, os verdadeiros beneficiários de tal trama são aqueles que nunca se alijaram do poder. Que ocuparam posições estratégicas no tecido social brasileiro, muito embora, no plano político tenha acontecido, aos trancos e barrancos, a alternância de poder. O descontentamento passa a existir a partir do momento que alguns destes que ocupam a cadeia de comando do país são capazes de fazer com que a nação veja algo mais do que o que os governantes até então faziam.  


O ex-presidente da República, embora tenha se declarado católico, nunca abriu mão do expressivo e barulhento curral eleitoral entrincheirado dentro das igrejas evangélicas. O voto não é para ser descartado seja lá de onde vem. Há um primeiro elemento do ponto de vista de uma democracia representativa e se esboça pelo caráter quantitativo. Mas, o voto tem cor, sexo, ideologia e tantas outras atribuições que queiram aplicar. O grande e célebre Umberto Eco publicou um de seus mais primorosos textos. Ele trata do fascismo e tem um texto intitulado "Fascismo Eterno”. Em algum momento de seu texto, Eco afirma que nem fascismo, nem nazismo, em sua forma original, seriam capazes de mobilizar uma nação inteira. E foi o que esses movimentos fizeram no passado. Por outro lado: 

         “Embora os regimes políticos possam ser derrubados e as ideologias criticadas e destituídas de sua legitimidade, por trás de um regime e de sua ideologia há sempre um modo de pensar e de sentir,  uma série de hábitos culturais, uma nebulosoa de instintos obscuros e de pulsões insondáveis. Há então um outro fantasma que ronda a Europa(para não falar de outras partes do mundo)?” ¹¹

     

Se por um lado, podemos identificar o nazismo como um regime pagão, o fascismo já apresenta um perfil e face cristã. As ditaduras mais crueis de extrema direita tinham uma convivência e conivência com aqueles que se diziam representantes da fé cristã e, em especial, com o catolicismo. Foi assim com o fascismo italiano,  com o franquismo espanhol, o salazarismo português e em tantas outras ditaduras espalhadas pela América Latina e Caribe. O catolicismo por sua vasta experiência enquanto religiosidade que imperou durante todo o período da cristandade. Passa, além  de sua dimensão e caráter institucional, uma imagem sólida, monolítica e milenar. Ao contrário do Protestantismo que, a rigor, é considerado como movimento cismático. Por onde suas principais vertentes se espalharam, se enveredam rapidamente por um processo de fragmentação. Atualmente o termo fragmentação perdeu um pouco de seu significado. A terminologia que melhor se ajusta a essas vertentes ou subprodutos do Protestantismo seria a terminologia 'Pulverização’. A comparação entre catolicismo e protestantismo no Brasil é a mais fiel possível. E quem sabe, talvez tenha sido esse tipo de lógica que também norteou essa aventura golpista. 


Esses pastores midiáticos que através de uma estrutura de marketing, nisso eles são imbatíveis, são capazes de arregimentar multidões de pessoas para os seus eventos. Como mobilizadores são peças fundamentais para qualquer tipo de propósito. Por isso mesmo, nessa aventura, os golpistas jamais abririam mão deles. Mas, a importância deles para por aí. Foi por conta desse tipo de analogia e na razão direta daquela imagem do tabuleiro de xadrez que foi atribuída a eles apenas a função desempenhada pelos peões. Mesmo que essa tal aventura golpista tivesse logrado êxito, não há futuro para aquele que se diz protestante ou evangélico quando elencamos para efeito de reflexão alguns argumentos com relação direta a um projeto político de poder. Primeiro, por conta de sua nulidade desde uma perspectiva histórica e institucional. Se pensarmos que num dimensionamento histórico, o arcabouço cosmológico de uma teologia evangélica e, ou protestante, inexiste em função deles possuírem, embora pela prática abusem desse precedente, e transgridem sua principal fundamentação teológica e sistemática: A escatologia.


Não é sem motivo que boa parte dessas lideranças evangélicas tenham feito uma revisão profunda em suas pregações, que por questão pessoal, prefiro chamar de retórica. A iminência da volta de Cristo inexiste nessas retóricas evangélicas. E por uma simples razão não dá pra falar de alguém que está voltando para julgar os homens. Não dá pra falar de alguém que vai dar cabo deste mundo e levar seus fieis para o eterno gozo das venturas celestes. Caso isso aconteça, e no passado era assim que funcionava, o rebanho não terá qualquer tipo de preocupação em trabalhar com afinco com o objetivo de acumular. Se tal tipo de pensamento ainda existisse, então poderia se dizer que a teologia da prosperidade não vingou. 


A chave linguística para o que se detecta nesses movimentos tidos como evangélicos baseia-se nesta parte integrante da teologia sistemática, isto é, no abandono da escatologia. Não há nenhum tipo de expectativa por parte desses grupos pela volta do Cristo. Nos anos 80, quando apenas era um estudante do curso de teologia no Rio de Janeiro. Já se podia ter algum tipo de entendimento acerca da natureza desse fenômeno. Tive um professor, professor não, um verdadeiro mestre que durante a ministração de uma de suas aulas em Teologia Sistemática. E especificamente abordando a função da escatologia neste sistema aliada a discrepâncias nas retóricas e pregações dessa época. Ele faz a citação de um escritor norte americano. Seu nome era Hal Lindsei e seus livros sempre estavam na lista dos best sellers. Sua temática era sempre o fim do mundo. Mas, havia um problema, segundo este meu professor. E o problema era de que se este cidadão acreditasse tanto na volta de Jesus, por causa de que então ele investia quantias vultosas na compra de imóveis?  


Mesmo que sejamos capazes, digo, incapazes de produzir uma teologia genuinamente com um DNA tupiniquim, o tipo de teologia que aqui tem chegado via evangelicalismo norte americano é, sem dúvida alguma, um grande elefante branco. Somado a isto, a relação do evangélico com o poder no contexto nacional, será sempre problemática. Buscar um alinhamento com o Estado Brasileiro haverá de ser sempre um tiro no pé. Fenômenos como a teologia da prosperidade, e atualmente a tal teologia do domínio, têm um ciclo de vida bastante reduzido. São retóricas de dominação da consciência. Não custa nada lembrar que não são fenômenos com DNA de origem em solo brasileiro. São teologias importadas do mundo anglo-saxão e vale muito fazer esta observação, embora seja de origem germânica, trata-se do pior ramo germânico. Já houve manifestação de um líder de uma dessas igrejas históricas do Protestantismo Brasileiro dando conta de que a prática litúrgica de uma determinada igreja neopentecostal se assemelhava muito ao tipo de catolicismo primitivo muito presente no tecido social brasileiro. As ideias não se combinam é a percepção que se tem ao se tentar propor uma análise mais profunda e dotada de um pensamento e natureza crítica.


O fundo histórico do Protestantismo Brasileiro é forjado e tem o formato de uma base teológica e sistemática de caráter escatológica. E por uma simples razão, esse protestantismo surge no contexto das missões. E os pioneiros dessas missões que por aqui aportaram trouxeram consigo o afã de evangelizar o mundo cumprindo com o mandamento do mestre de ir por todo o mundo e pregar o evangelho a toda criatura¹². As primeiras experiências aconteceram em meio às disputas geopolíticas do cristianismo protestante e europeu da plataforma continental. Esta aventura colonial não foi adiante dada essa dificuldade ocasionada por disputas geopolíticas (Invasão Francesa do Rio de Janeiro). Afinal de contas, estávamos no século XVI e a disputa por rebanhos onde quer eles estivessem passou a ser regra entre católicos e protestantes. Dessa maneira, digladiavam entre si. Com isso, foram capazes também de exportar os seus muitos problemas. Se porém a disputa religiosa por meio da empresa colonial resultou em um verdadeiro fracasso aqui no cone Sul, o que ocorreu posteriormente do lado protestante tem como resultado as ondas migratórias do século XIX, tanto de pessoas oriundas do velho mundo, quanto daqueles que vinham da América do Norte.


___________________



¹  RATZINGER, Joseph & D'ARCAIS, Paolo Flores. Deus Existe? São Paulo, Editora Planeta. 2009. p.13.


²  Artigo VII do Manifesto de 7 de Outubro de 1932.


³  São estes os instrumentos pelos quais a igreja católica se manifesta publicamente: Carta Encíclica ou Encíclica, Encíclicas Epístolas Constituição Apostólica, Exortação Apostólica, Breve apostólico, Carta Apostólica. Bula.



⁴  Sobre a Maçonaria ou qualquer tipo de sociedade secretas, são mais de 20 documentos, entre bulas e cartas pastorais. Mas, foi Leão XIII quem mais combateu a Maçonaria: “Annun Ingressi, 1921).


⁵  Para ser bastante sintético, faço menção apenas do Catecismo da Igreja Católica que em seu artigo 2425 afirma que a igreja rejeita as ideologias totalitárias é areias, associadas, nos tempos modernos, ao ‘comunismo ou ao ‘socialismo’.


Pio VII, carta apostólica “Post tam Diuturnitas”, ao bispo de Troyes, na França, condenando a “liberdade de cultos e de consciência”, estabelecida pela constituição de 1814.(74)


⁷  VAZ, P. Doutrina Social da Igreja, o Estado, as ideologias e a crise.


⁸  Biblioteca Reformada - A Confissão fe Fé da Guanabara


⁹  Moita, Luís (2012). "Uma releitura crítica do consenso em torno do «sistema vestefaliano»". JANUS.NET e-journal of International Relations, Vol. 3, N.º 2, outono 2012.


¹⁰  Em 24 de Agosto de 1572, católicos parisienses empreenderam uma caçada que resultou na morte de quase 3000 protestantes, Huguenotes. Foi a noite de São Bartolomeu.


¹¹  Umberto Eco, O Fascismo Eterno, in: Cinco Escritos Morais, Tradução: Eliana Aguiar, Editora Record, Rio de Janeiro, 2002. 


¹²  Marcos 16:15











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