TEXTO: Deuteronômio 11:10-14

Porque a terra que passas a possuir não é como a terra do Egito, de onde saíste, em que semeavas a tua semente, e a regavas com o teu pé, como a uma horta.

Mas a terra que passais a possuir é terra de montes e de vales; da chuva dos céus beberá as águas;

Terra de que o Senhor teu Deus tem cuidado; os olhos do Senhor teu Deus estão sobre ela continuamente, desde o princípio até ao fim do ano.

E será que, se diligentemente obedecerdes a meus mandamentos que hoje vos ordeno, de amar ao Senhor vosso Deus, e de o servir de todo o vosso coração e de toda a vossa alma,

Então darei a chuva da vossa terra a seu tempo, a temporã e a serôdia, para que recolhais o vosso grão, e o vosso mosto e o vosso azeite.


Deuteronômio 11:10-14

10ἔστιν γὰρ ἡ γῆ εἰς ἣν εἰσπορεύῃ ἐκεῖ κληρονομῆσαι αὐτήν, οὐχ ὥσπερ γῆ Αἰγύπτου ἐστίν, ὅθεν ἐκπεπόρευσθε ἐκεῖθεν, ὅταν σπείρωσιν τὸν σπόρον καὶ ποτίζωσιν τοῖς ποσὶν αὐτῶν ὡσεὶ κῆπον λαχανίας· 11ἡ δὲ γῆ εἰς ἣν εἰσπορεύῃ ἐκεῖ κληρονομῆσαι αὐτὴν γῆ ὀρεινὴ καὶ πεδινή, ἐκ τοῦ ὑετοῦ τοῦ οὐρανοῦ πίεται ὕδωρ· 12γῆ ἣν Κύριος ὁ θεός σου ἐπισκοπεῖται αὐτὴν διὰ παντός, οἱ ὀφθαλμοὶ Κυρίου τοῦ θεοῦ σου ἐπ᾽ αὐτῆς ἀπ᾽ ἀρχῆς τοῦ ἐνιαυτοῦ καὶ ἕως συντελείας τοῦ ἐνιαυτοῦ.


13Ἐὰν δὲ ἀκοῇ εἰσακούσητε πάσας τὰς ἐντολὰς ἃς ἐγὼ ἐντέλλομαί σοι σήμερον, ἀγαπᾷν Κύριον τὸν θεόν σου καὶ λατρεύειν αὐτῷ ἐξ ὅλης τῆς καρδίας σου καὶ ἐξ ὅλης τῆς ψυχῆς σου, 14καὶ δώσει τὸν ὑετὸν τῇ γῇ σου καθ᾽ ὥραν πρόιμον καὶ ὄψιμον, καὶ εἰσοίσεις τὸν σῖτόν σου καὶ τὸν οἶνόν σου καὶ τὸ ἔλαιόν σου· 


TEMA: Uma inversão de olhar quanto ao tempo.

ICT: Uma advertência velada a maneira como este povo, após a experiência de um cativeiro "secular" e uma jornada miraculosa e espetacular pelo deserto, deve se comportar ao se apropriar de uma terra que Deus prometera com fidelidade aos seus antepassados.

Objetivo Geral: Levar a congregação ao entendimento de que todo o aspecto descritivo quanto a jornada deste povo até estar as portas da Terra prometida. Mostra que a contagem do tempo mudou radicalmente.

Objetivo Específico: A contagem do tempo se alterna entre um passado de servidão em terra estranha e a possibilidade de um presente que projeta situações futuras.

Tese: Quando o povo se submete ao senhorio de seu Deus, ele está dizendo sim a sua fidelidade.


Introdução

     Quando no ano passado, mais precisamente no dia 27 de Dezembro de 2020. Ocasião em que estive aqui falando sobre aquela temática que tinha uma relação com o Natal. Afinal de contas, dois dias eram passados das celebrações natalícias e comemorações familiares. Falávamos naquela ocasião, e por conta do texto escolhido para reflexão, que o autor estava preocupado com a condução de sua narrativa em colocar o Senhor Jesus de uma maneira prática e bastante proativa no cerne de sua messianidade. Porém, tendo consciência de que ele está a caminho de Jerusalém.

     E para finalizar, naquela ocasião, foi feita uma ênfase no que tange ao que nos é colocado para rememorarmos e o que a escritura, o Novo Testamento, nos recomenda. E a recomendação é que nos lembremos do martírio que culmina com a morte de Jesus pendurado num madeiro. Este também é o mote que orientará toda a retórica de pregação apostólica: A morte e a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo.

     O objetivo lá ao fazer uso dessa abordagem era no sentido de não nos prendermos a datas que constituem sim parâmetros e pressupostos de consolidação de nossa fé e esperança. Porém, jamais devem ser vistos sob o aspecto de uma visão cíclica e repetitiva. E quanto a isto também fiz questão de ressaltar o caráter redacional do autor de Marcos, ao destacar seu aspecto pragmático de narrativa que visa assinalar a messianidade de Jesus, tendo o próprio Jesus consciência de seu caráter proativo a cerca de sua messianidade.

     Mas, o que me fez pensar e buscar uma referência textual para o assunto a ser explorado nesta prédica, é o caráter flutuante de perspectivas que de acordo com as variações ou mudanças de ambientes e contextos iluminam o nosso curto entendimento a cerca do agir de Deus. Por conta de uma forma de se ver a história e com ela a evolução do tempo. Fazer história tem como objetivo, entre tantas outras prioridades, a apropriação de forma pedagógica dos princípios e fundamentos que caracterizam algo como parte da cultura humana, espírito humano, bem como o seu desenvolvimento no mundo.

     E para tanto, exige-se uma forma de olhar mais criterioso. Olhar este que a partir de agora e enquanto narrativa de livramento, numa referência clara ao cativeiro caminha numa direção evolutiva e histórica. Até porque no mínimo estamos falando de três situações ou ambientes: O cativeiro que representa uma inflexão do tempo; a trajetória no deserto rumo uma promessa representada por uma terra ou lugar de chegada. E depois os preparativos efetivos para a apropriação da terra.

     As duas primeiras etapas foram vencidas e agora, o povo está às portas de seu lugar de chegada, a terra prometida e dada pelo Senhor como herança. Por outro lado, existem alguns requisitos que envolvem uma relação de fidelidade recíproca entre Deus e seu povo. O povo terá que andar conforme os preceitos e princípios registrados na Lei para que seja bem sucedido na terra que está para possuir.

     É evidente que uma exigência de compromisso para com Deus que precedeu ao ato de posse da terra remete-nos a algum ou alguns códigos de conduta já celebrado. Há portanto algo como que de uma base legal e escrita. Senão, seria pouco provável que este tipo de narrativa começasse com ocorrências narradas e que remontam ao passado desse povo. Sendo que as mesmas não se sustentariam tendo por base apenas uma provável tradição oral.

     Entretanto, precisamos sinalizar a necessidade de buscarmos alguns elementos que elucidem nossa passagem pela leitura proposta neste texto. Muito embora, o texto específico que nos serve para meditação seja o que já foi anunciado e lido diante desta congregação. Não custa nada lembrar para efeito de melhor entendimento deste contexto. Que Moisés começa este capítulo falando do compromisso de fidelidade do povo para com seu Deus.

     Então Moisés puxa, digamos, por uma memória ao mesmo tempo que afetiva por tudo que esta memória representa de livramento de seu povo quando esteve cativo no Egito. E de como Deus com mão forte livrou seu povo daquele cativeiro e da tirania de Faraó. Ele não apenas puxa pela memória bem como faz referência àqueles antepassados que testemunharam esses feitos milagrosos do Senhor no meio de seu povo e de como também com rigor e com justiça tratou daqueles que se insurgiram na travessia do deserto contra o próprio Moisés e os planos de Deus que naquele momento estavam em execução. O texto, mas especificamente o verso 6, faz uma referência direta a Datã e Abirão.

     É exatamente por conta dessas mudanças de ambientes desde a saída do cativeiro e o ensejo de uma vida de peregrinação pelo deserto que durou décadas onde problemas como questionamento de lideranças principalmente por parte daqueles que num determinado momento começam a ensaiar um movimento de retorno ao Egito. E demais outras situações que refletiam uma espécie de insatisfação do povo. E Moisés tendo que lidar com todo esse tipo dificuldades até o momento em que este povo se depara com a terra da promessa.

     Moisés se vale do artifício da escritura e do registro dessas memórias. Sua fala alude aos antepassados que já não se fazem presentes. A experiência de toda esta jornada até o momento em que se deparam com a terra é a experiência dos antepassados e não dos filhos. E o registro da mesma tal qual está fazendo. É o registro da experiência desses antepassados para com Deus. A escritura então e, neste caso, o registro dos atos de Deus é o instrumento para que agora estes filhos que passarão a possuir a terra tenham como requisito básico para a direção de suas vidas e o bem estar deste povo e nação a observância dos mandamentos do Senhor. É dessa maneira que o verso de número 8 enfatiza a observância dos mandamentos.

     O que também haveremos de perceber é que muito embora o agir de Deus em épocas passadas na memória e experiência de seu povo haverá de mudar. E este aspecto quanto a ação divina se estabelece pela própria característica da terra que agora seu povo passará a possuir. E o verso 10 acrescenta que esta terra não é como a terra de onde eles saíram. E é desta maneira que pretendemos refletir por alguns minutos durante esta noite.


I - Atribui como experiência apenas o passado.(V.10)

      Primeiramente precisamos entender em que altura da história bíblica tendo como perspectiva a formação e o estabelecimento de Israel enquanto povo de Deus nos encontramos. Se observarmos a dinâmica de como funciona a vida e experiência dos patriarcas começando por Abraão. Veremos que este patriarca deixa a cidade de Ur, que ficava na Caldeia após uma vocação ou chamado divino(Gênesis 12:1-7). Abraão vivia e era estabelecido numa cidade e tinha uma vida sedentária. Ele deixa este sedentarismo, por conta desse chamado para peregrinar em Canaã. E ali passa a ter uma vida semi nômade.

     O mesmo acontece com os seus sucessores e herdeiros da promessa(Isaque e Jacó). Eles desenvolvem uma vida com atividades pastoris. Eram pastores e cuidavam de seus rebanhos de ovelhas. Porém é com Jacó e seus filhos que ocorre a mudança mais significativa do ponto de vista das atividades deste clã. Já que por intermédio de José, Jacó e todos os seus descendentes se transferem para o Egito. Lá, conforme o registro da escritura, eles se instalam numa das terras mais férteis do Egito(Gênesis 47:27).

     Basta apenas observarmos o mapa do Egito para deduzir o privilégio que Jacó e seus descendentes receberam de se instalarem nesta região que faz parte como localização geográfica do Delta do Nilo. Em sua corredeira rumo ao mar mediterrâneo, esta região no período das cheias do Nilo se torna um canal natural que com a engenhosidade do homem alcança e se expande ao mesmo tempo que amplia suas fronteiras agrícolas. E é justamente por onde as águas se espalham. O curso do Nilo até chegar a seu delta, passa por regiões montanhosas desde suas nascentes. Pode se dizer que quando este rio chega ao Egito, ele é a confluência de três nascentes de rios: Nilo Azul, Nilo Branco e Rio Atbara. Ele leva consigo os nutrientes das regiões por onde passa. São suas próprias águas que trazem consigo estes nutrientes. Eles são o adubo natural para agricultura egípcia. Um grande historiador na antiguidade cujo nome era Heródoto disse certa vez que o Egito é uma dádiva do Nilo.

     Ou seja, o povo desenvolveu uma atividade agrária e pastoril no Egito e sem maiores dificuldades por conta da terra que lhe fora dada e de sua localização. E o que Deus está dizendo a ele neste momento é de que a terra que estão para possuir, não é como a terra do Egito: Vocês exerciam suas atividades sem se preocupar com a chuva. A preocupação era tão somente com a estação do ano e o período das cheias do Rio Nilo. A rigor, tudo girava em torno de um ciclo da natureza. Eis também a razão pela qual os egípcios reverenciavam este rio como uma divindade.

     Deus está dizendo a seu povo que as experiências do passado como um ciclo natural de fartura devido às condições climáticas e geográficas. Terão que ser reexaminadas. Muito embora nos últimos tempos de cativeiro eles tenham experimentado, do ponto de vista de suas liberdades, opressão, amarguras e falta de sentido da própria existência. Ainda assim o Egito continuava sendo uma terra próspera, muito em virtude do que o Nilo representa até hoje para esta nação.

     Isso é tão verdadeiro que mesmo depois de libertos do cativeiro e da opressão. E em meio a caminhada pelo deserto, havia aqueles que ainda achavam que eles deveriam voltar para o Egito, pois tinham saudades da fartura dos caldeirões de carnes(Êxodo 16:3). Uma inversão de olhar quanto ao tempo e consequente ambiente e contexto diferente exige de qualquer um de nós a capacidade de se readaptar ao momento novo que nos espera. Isso também pode ser chamado, pensando na experiência desse povo, de reconstrução de sua liberdade.

     O povo está entrando numa terra para a possuir e dela tirar o seu sustento. Através dela construir sua liberdade depois das experiências traumáticas do cativeiro egípcio. Mas, a rigor, esta terra tem um dono muito especial e que está facilitando a sua posse desde que também este povo aprenda a se comportar diante daquele que lhe proporciona esta benção. E a exigência em nada pode ser qualificada como estranha, exdruxula e impraticável. Deus apenas pede a este povo fidelidade de sua parte para com aquele que os tirou com forte mão e braço estendido da opressão sofrida no Egito.

     A combinação entre terra e água está aqui colocada. A água no Egito que tinha como símbolo maior um rio e a sua relação com a divindade, não pode mais ser parâmetro para o tipo de experiência que agora este povo terá na posse desta terra. O terreno é acidentado com montanhas e vales. E agora essa combinação entre terra e água, tem como principal ingrediente a maneira como esta água chega a terra. Deus está falando literalmente por meio de Moisés que esta terra bebe a água das chuvas do céu. E consequentemente aqueles que haverão de ocupar esta por herança, também beberão da água que desce do céu.

     Ou seja, se tivéssemos que fazer uma analogia especificamente sobre este verso 11. E, quem sabe, até mesmo utilizando o método alegórico. A benção divina simbolizada pela chuva que desce do céu e vem da parte do Deus de Israel. Dadas as condições do solo e do clima e que em nada se assemelham a experiência com o campo por parte dos israelitas. Deus através de Moisés já tem dado a título de advertência que esses agricultores terão que adaptar-se a uma nova forma para cultivo do solo. A experiência de cultivo do solo tal como adquiriram no Egito não terá a eficácia necessária para uma produção dita próspera. E, logo, terá que ser revista e até mesmo reinventada.


II - A relação com o tempo agora é explicitamente admitida. E está sob o controle direto de Iavé. (V.V.11-12)

     Precisamos entender que a relação do povo com a terra no Egito não é uma relação mediada por uma evolução sincrônica com o tempo. Os hebreus, inclusive, nunca foram os donos da terra. A terra pertencia ao Faraó e eles tinham que recolher nos celeiros do Faraó um quinto de tudo que produziam. Eles e todos os egípcios. Esse sistema de acordo com Gênesis 47 foi estabelecido por José desde que, com o advento daqueles dois períodos em que foram vaticinados que haveria sete anos de muita fartura e depois sete anos de uma intensa seca. José esteve à frente de todo este sistema de recolhimento dos tributos para o tesouro do Faraó. Até que teve como resultado o fato de que Faraó se tornou senhor e dono de todas as terras do Egito. Não é uma situação difícil de se explicar. Porém, demanda um pouco mais de tempo. Talvez fossemos capazes de observar processos semelhantes de apropriação do solo para a sua produção onde o agricultor não é necessariamente o dono da terra.

     A relação com o tempo no Egito passa a ser de menos importância a partir do momento que o povo hebreu passa a ser considerado como uma massa de cativos. A contagem do tempo interessa apenas aqueles que se tornam senhores dos escravos. Para a grande massa de cativos embalada pela opressão que sofrem, a banalidade da própria vida, a falta de perspectiva e de sentido é o que dita o ritmo de suas existências.

     Pensando dessa forma, a advertência divina no sentido de que o povo tenha consciência desses aspectos fundamentais e distinguiveis entre uma terra e outra, cresce em relevância. Havia toda uma organização, quiçá, idealizada pelo próprio José para que todo esse patrimônio de Faraó fosse administrado. Esses administradores eram os olheiros e fiscais do império. Mas, a terra que o povo está prestes a entrar, quem cuida dela é o próprio Deus. Eu não possuo nenhum tipo de intimidade com o texto hebraico. Porém, o texto grego da Septuaginta quando assinala que Deus cuida da terra o termo grego utilizado é EPISCOPEITAI. Do verbo EPISCOPEO e que significa administrar, supervisionar, etc. Esta terra sempre esteve sob supervisão direta de Deus.

     A experiência no deserto em nada contribui neste aspecto. Uma vez que a jornada de travessia é uma peregrinação de tipo e característica nômade. E neste período, ao que se tem notícia, não se desenvolve qualquer tipo de expertise quanto a qualquer tipo de técnica de produção agrária. Eles consomem o Maná, aquele pão que caía do céu. Bebiam a água que brotava da rocha. Era a forma espetacular, miraculosa com que Deus cuidava de seu povo durante a travessia do deserto. Quando no verso 12 tomamos consciência de que os olhos do Senhor estão continuamente sobre esta terra, percebe-se um grau muito maior de responsabilidade por parte daqueles que estão entrando para possuir esta terra por herança.

     Se no Gênesis, Deus entregou a terra a Adão como mordomo no sentido de que cuidasse dela. E deu no que deu, já que ele tinha apenas como responsabilidade dar contas a Deus apenas na viração do dia. Agora, esta terra conforme o texto está sob o olhar divino de forma contínua. Isso significa que não se pedirá contas do seu cuidado ao final do dia. Mas, haverá uma exigência do tipo pacto selado que para manter bem e sem problemas na administração da terra o povo deve se manter fiel a aquele que doa a terra.

     Há uma imposição para a posse desta terra e ela demanda compromisso ou pacto. O Deus que estabelece este compromisso, é o mesmo Deus que se insurgiu contra o Faraó do Egito e o tipo de tratamento sub-humano que se impunha injustamente a seu povo. E como Ele é um Deus misericordioso. O clamor do seu povo acabou chegando aos seus ouvidos. Foi quando Ele providenciou seu livramento por meio de Moisés.

     Entretanto, por ser um Deus de justiça, ele também exigirá que seu povo trilhe esses caminhos de justiça traçados por Ele. E as coisas não serão fáceis para este povo. A conduta deles terá que ser de tal maneira irrepreensível. Caso contrário, eles correm o risco, ao se entregarem a uma conduta indigna, de profanarem uma terra que lhes fora dada e que é terra santa.


III - Quando a relação de subserviência e serviço muda. (V.V. 13-14)

     Quando ensaiamos um tipo de análise que seja comparativa entre a relação estabelecida entre o povo hebreu e Faraó no Egito com o que Deus agora está propondo. A comparação para por aqui. Ela não tem como prosseguir se o que se objetiva é estabelecer as vantagens e desvantagens entre uma e outra. E, como eu disse, não há como prosseguir. Vimos que no Egito, a relação do povo com Faraó era uma relação de subserviência impositiva. Ao mesmo tempo que se mostra incapaz de oferecer uma alternativa que fosse. A rigor, e em tais condições, o que se tem como comprovação factível é a perda da liberdade.

     A posse da terra da prometida é um problema que se resolve estabelecendo parâmetros de condutas a serem seguidos. Os quais por si só não são impositivos. Entretanto, exibe elementos condicionantes que vão num código de conduta recíproco entre o povo e seu Deus. Um aspecto que chama a atenção neste trecho do texto, em especial, o início verso 13. É a maneira com que Deus através de Moisés exige de seu povo obediência. 

     Por mais que tenha a aparência de uma ação impositiva da parte do Deus de Israel, tal qual a relação de Faraó com seus súditos, inclusive os hebreus cativos. Isto não se dá nos termos estabelecidos por Deus para que se ocupe a terra que lhe está sendo dada. Fizemos alusão a uma espécie de conduta recíproca onde se especificam com uma exuberância de detalhes as responsabilidades de ambos os lados entre o povo e seu Deus. Aqui também já foi mencionado com base especificamente no verso 12 de que a terra é do Senhor. E ele cuida dela de tal maneira e com extremo zelo. A tal ponto de a supervisionar continuamente: "Os seus olhos estão sobre ela continuamente."

     É esta terra que o Senhor está oferecendo a seu povo. E, no pacto por Ele proposto, a exigência que fica de responsabilidade ao povo é de fidelidade, compromisso e serviço ou adoração. Todas essas exigências são inegociáveis, pois Deus quer de seu povo fidelidade e culto com exclusividade. Mesmo porque, para todos nós que observamos a forma como o Senhor desde o início tratou o seu povo, vimos como ele não transige com qualquer tipo de relação do seu povo com outras divindades.

     Um bom exemplo para o que aqui está reafirmado e de forma categórica. É o relato do capítulo 20 de Êxodo. Deus através da proclamação dos seus mandamentos ou decálogo. Faz num primeiro momento menção de como seu povo foi resgatado do cativeiro em que se encontrava no Egito. Ele literalmente apela para a memória desse povo proclamando que Ele é aquele que tirou este povo do cativeiro. E em seguida faz a exigência incondicional de que este povo estava proibido de cultuar qualquer divindade ou ídolo. A certa altura da proclamação do Decálogo Ele faz menção de como é zeloso e do extremo cuidado que possui com tudo que é de sua propriedade.

     O que quero deixar claro nessa mudança de relação de subserviência, que é o tipo de relação que com peculiaridade se percebe na relação de Faraó com todos os seus súditos. E que não dá para destacar qualquer tipo de semelhança com o que Deus propõe a seu povo. E a própria história subsequente a ocupação da terra mostrará este dado com mais riqueza de detalhes. O tipo de relação proposto por Deus atribui responsabilidades ao homem e se alguma coisa não estiver dando certo, isto se deve aos desvios ou falta de observância deste povo ao pacto firmado com seu Deus.

     Por outro lado, e novamente haveremos de buscar algum embasamento hermenêutico e escriturístico que preencha uma dúvida, ou mais precisamente uma mudança de discurso da parte de Deus. E faço menção de que a mudança de discurso ocorre na parte que compete a Deus em sua tratativa junto a seu povo. Já que, até o exato momento em que estamos em busca de fazermos uma leitura que seja a mais fiel e compromissada com sua exposição velada no próprio texto. Vemos que a mediação entre as tratativas de Deus com seu povo, até o verso 13, é mediada pela escritura tendo como amanuense da mesma o próprio Moisés.

     A partir do verso 14 e chegando até o 15 ainda que este último não faça parte do trecho escolhido previamente e que é fruto desta reflexão. Porém, o que se percebe nós dois versos ora referenciados é uma mudança brusca de discurso. Agora é o Senhor que pessoalmente faz uso do discurso direto(Bíblia de Jerusalém, alínea "i". Referente ao verso 14 do capítulo 11 de Deuteronômio).

     O aspecto condicionante presente no verso 13. Que se prende pela obediência a cerca das ordenanças deixadas por Deus e que fazem parte de um pacto previamente selado, sacramentado e de teor escriturístico, agora é deixado de lado, não significando que será negligenciado, porém que é obrigação de todos tê-lo como referencial de vida. Entretanto, pelo fato de as coisas estarem caminhando para uma relação mais formal do que de comprometimento e relações afetivas e pessoais.

     Agora, Deus toma uma atitude que pode se encarada como uma relação pessoal, ou seja de pessoa a pessoa com seu povo. O povo precisa entender que há um compromisso pessoal de seu Deus em manter esta terra próspera e fértil. E isto apenas será possível se a seu tempo o Senhor enviar a chuva temporã e serôdia(as primeiras e as últimas). Este tipo de situação demandada pelo evento climático propriamente e demarcado pela temporada de tais chuvas, obrigam o povo a construir uma perspectiva diferente de contagem e de relação com o tempo.

    Tínhamos visto conforme o próprio Deus alertou a seu povo neste texto. Que esta terra não era como a terra do Egito, versos 10-11. Ela, assim como o povo que haverá de ocupá-la, precisam desenvolver uma relação de dependência. A dependência é da chuva que vem do alto. E quem a manda é o Senhor. A dependência também, a partir de agora é do Senhor. Se o povo trilhar os caminhos de justiça traçados pelo próprio Deus em seus mandamentos. Ele haverá de alcançar a benção, a paz e a prosperidade.


Conclusão

    Vemos no antigo testamento uma situação trágica de casamento, porém real, onde o profeta Oséias vivia uma relação de amor para com sua mulher e o que ela lhe dava em troca era apenas infidelidade. O profeta, entretanto nunca deixou de amá-la, muito embora não fosse correspondido. 

     Foi esse tipo de infidelidade para com Deus que na prática conforme o relato do profeta no capítulo primeiro de seu livro que decreta o fim trágico do Reino do Norte. Por causa da infidelidade do povo ao se prostituir com o culto cananeu. O culto cananeu simbolizava a prostituição não apenas pelas orgias que aconteciam em suas celebrações. Ele também era prostituição pelo fato de o povo deixar de lado sua relação com Deus e praticar esses atos litúrgicos condenados e a revelia da vontade divina que sempre condenou tais práticas.

     Todo o capítulo primeiro de Oséias explora uma relação muito pessoal entre Deus e seu povo. A maneira como a esposa de Oséias age para com seu esposo ao trair essa relação conjugal, é o mesmo modus operandi pelo qual o povo se comporta ao trair o pacto estabelecido com Deus antes de adentrar a terra prometida. Ou seja, o povo se prostituiu ao aderir as práticas litúrgicas do culto cananeu.

     O interessante é que ao se detectar esse tipo de relação pautada pela infidelidade tanto a conjugal, no caso do profeta, quanto a relação com Deus. Percebe-se também uma espécie de deformação mental e teológica quanto ao conceito que se deve ter de divindade. E isto apenas se torna detectável caso se faça pela própria narrativa encontrada nos textos uma análise mais criteriosa e intrumentalizada por algumas ciências que levem em consideração aspectos históricos, literários, exegéticos, culturais, religiosos, antropológicos, etc.

     O caráter interdisciplinar nestas análises não deve ser de forma alguma omitido ou negligenciado. O próprio relacionamento de Deus para com seu povo reflete esse tipo de alternância entre o que está formalmente celebrado no pacto via escritura e a partir destes registros, o que também se reflete é a mudança de humor da parte do Deus de Israel por conta de seus deslizes no cumprimento de suas obrigações para com seu Deus.

     Todo o progresso e prosperidade auferidos pela posse da terra, sinaliza que dependem do relacionamento que o povo tem ou poderá ter com Deus. Essa afirmação não quer ser, em hipótese alguma, algo que soe como aleatória e sem fundamento. O que com a posse da terra foi estabelecido a título de se ter um relacionamento com Deus, era de que tudo vinha do alto, inclusive o socorro divino(Salmo 121:1).

     Assim como qualquer tipo de iniquidade cometida pelo povo tem graves e severos danos como consequência desse pecado para a sua terra e sua colheita. O que está em discussão aqui não é a fidelidade divina que sempre se manteve firme. Porém, o que se discute a infidelidade e o caráter volúvel deste povo para com os compromissos firmados com Deus desde a sua entrada na terra prometida.

     Quando Salomão faz a dedicação do templo a Deus. Fato este relatado no capítulo 7 de II Crônicas. Deus se revelará ao Rei e novamente reafirmará os seus princípios e termos estabelecidos anteriormente e jamais observado por parte do povo. Revela também que as consequências de se ter uma terra que não gera o sustentado apropriado para seu povo ocorre pela prática de toda sorte de pecado e iniquidade.

     Mas, o Senhor está sempre disposto a ouvir a oração de seu povo desde que haja confissão de pecado com devoção e humilhação. Assim como, apesar desta relação cada vez mais formalizada pela própria construção e dedicação do templo, ainda assim, e nas condições estabelecidas por ele, os seus ouvidos estariam abertos às orações daquele lugar.

     O resultado nesta relação verticalizada onde Deus está na parte ou andar de cima. É de perdão dos pecados e de cura e sara da terra. Foi o tempo, bem como a forma com que a sua contagem se estabeleceu, o elemento que gerou uma perspectiva diferente para construção dos conceitos básicos da religião de Israel. Aduz-se a isso a experiência daqueles que foram contados como testemunhas dessa manifestação de Deus. Onde em cada ocasião e apesar das diferentes épocas e contextos sociais. O Deus todo poderoso se fez presente para abençoar seu povo.

     É este mesmo tempo que com as narrativas de que dispomos que nos proporciona essa inversão de olhar. Capaz de fazer com que olhemos para o alto identificando como lugar de sua morada e de onde também ele desce em socorro para nos abençoar. Fiquemos como última palavra para esta noite com aquela imagem que a oração do Pai nosso nós transmite. Onde nela, o Cristo ao tratar este mesmo Deus, chamando-o de Pai. Nos indica tanto a sua alteridade bem como a sua transcendência e santidade. Ela também aponta para a necessidade em andarmos ou afinados com sua vontade. E tão somente depois é que devemos pedir pelo sustento diário (pão) e pelo perdão das nossas dívidas. Amém.


      





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