Machado de Assis e o desafio de sua leitura




Capa do livro Machado de Assis: Lido e Relido (2016)

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     Há pelo menos uns cinco anos, quando meu filho caçula ainda era aluno do ensino médio. O seu professor de língua portuguesa comentou que havia um projeto a ser tocado entre os linguistas e especialistas em língua e literatura brasileira que tinha como finalidade reeditar algumas das obras de Machado de Assis, ou todo o seu trabalho de tal forma que ela fosse vertida(parafraseada) para um português mais atual e que fosse acessível a esta geração e às posteriores.

     Alguns aspectos são extremamente importante neste momento em face do desafio que pode ser esta empreitada. O primeiro deles, eu diria que pode até mesmo ser levado para o lado positivo. É a preocupação dos docentes da área em preservar a obra deste grande mestre da língua e literatura brasileira. Uma obra não apenas se preserva pelo fato de que o registro dos escritos estejam arquivados em museus ou bibliotecas. Ela também se preserva no constante diálogo que se estabelece entre autor e leitor.

     Machado de Assis é um desses escritores profundamente preocupado com os rumos da história, da cultura, bem como da vida social brasileira. Seus romances e contos ambientados num Rio de Janeiro que ainda é o centro cultural e político do Brasil. Logo, é para onde acorrem personalidades e políticos desta imensa nação. E que atravessa o tempo entre a monarquia e o império tão bem explorado em "Esaú e Jacó". Ele nos aproxima de algumas ruas e vielas, bem como bairros desse Rio antigo que nós cariocas conhecemos tão bem.

    Isto é, eu presumo que os cariocas, dentre os quais me incluo, devemos conhecer tão bem. Pelo menos quando se faz referencia a algumas de suas personagens as quais são devidamente ambientadas nas ruas, vielas, casas, palácios, etc. deste Rio de Janeiro descrito com tamanha propriedade e peculiaride por este genial escritor: "A obra de Machado de Assis reflete esse passeio pela cidade. Portanto, nada mais apropriado do que essa justa homenagem da Cidade ao seu filho ilustre." (* Trecho do parecer da Conselheira Natércia Rossi, do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural, relatora no processo de declaração da obra de Machado de Assis Patrimônio Cultural Carioca.)

     De outra maneira, caso não se destacasse o lado positivo mencionado nos parágrafos anteriores. Eu diria que nossa situação é tremendamente preocupante. E digo que é preocupante pelo fato de que o termo paráfrase empregado neste projeto docente já possui grau correspondente a uma situação catastrófica enquanto projeto cultural. Uma língua como a nossa, a portuguesa, que doravante me permitirei chamá-la de brasileira em homenagem ao grande mestre Afrânio Coutinho¹. Assim como todas as outras línguas de origem românicas, são uma evolução do latim falado, ou modo vulgar de se comunicar entre os cidadãos do império. Assim era a designação atribuída ao povo pelos latinistas ou puristas. Em síntese, as línguas românicas são uma corrupção degradante do latim e seu tempo áureo.

     E, se não fosse o destemido arrojo de tantos poetas e artistas que, acima de tudo, entendiam que a arte literária deveria ser consumida pelo povo e que para se alcançar esse povo(Plebe)², era necessário andar com ele, comer da sua comida e falar a sua língua, talvez, jamais tivéssemos o que, do ponto de vista literário, chamamos de ROMANCE(A moda romana). A literatura criada e construída sobre esta base popular foi fundamental na construção de uma natureza identitária das populações fazendo com que o conceito de latinidade se circunscrevesse a uma determinada região e posteriormente avançasse para as demais áreas de influência destes povos.  

     Mas, voltando a Machado  de Assis, quem conhece sua obra ou parte dela pode ver que o autor desde o início busca um diálogo com seu leitor e neste diálogo está subentendido que o leitor com quem dialoga é parte importante e vital na condução dos acontecimentos e até mesmo no ajuizamento moral que se faz a cerca das personagens envolvidas em suas crônicas e romances. Muito antes de nos preocuparmos com questões atreladas ao domínio e conhecimento de termos utilizados pelo autor, deveríamos nos preocupar com esta relação dialógica proposta pelo autor em sua obra, e, se efetivamente nestes tempos modernos, este diálogo ainda subsistiria com seus atuais leitores².

     E é exatamente essa relação com os atuais leitores um dos grandes problemas na leitura e releitura machadiana. E qual seria o leitor idealizado por Machado de Assis?³ Nos círculos acadêmicos Machado ainda é muito lido e celebrado. Mas, o nosso problema e discussão neste texto não diz respeito a este pequeno e seleto grupo de intelectuais que se debruçam aqui e nos exterior sobre a produção literária machadiana. A questão está localizada no  aluno do ensino médio e provável consumidor de uma literatura de qualidade, e, que pode sim, em contato com os textos de Machado, refinar ainda mais o seu gosto por literatura.

     Esse binômio leitor-consumidor é muito importante tanto para o grau de refinamento a que se chega qualquer bom leitor, quanto para estabelecer parâmetros no mercado editorial brasileiro no sentido de se consumir uma literatura de boa qualidade e de baixo custo. Por isso foi feito referência ao leitor enquanto consumidor. O ponto nevrálgico da realidade brasileira nas escolas de ensino médio coincide com a deficiência desse cliente(Aluno) e sua incapacidade diante de um texto qualquer, em articular ou conseguir relacionar as ideias disseminadas no mesmo, de tal forma que tenha competência para identificá-las.

     Não é meu objetivo identificar e catalogar nesta reflexão os muitos projetos e iniciativas que objetivavam o parafraseamento em algumas edições de obras de Machado de Assis. Tendo por base o significado do verbo parafrasear que subentende a tradução das palavras de um texto por outras de sentido equivalente, mantendo, porém, as ideias originais, não vejo com bons olhos uma inciativa como esta. Acho que qualquer tipo de iniciativa que preserve a memória e a obra machadiana são bem vidas. Pois, como carioca, sou defensor daquela ideia de que o Rio é Machado e Machado é o Rio. Preservá-lo é preservar a cidade, seus monumentos e logradouros.

     No entanto, o tipo de preservação que deve ser primordial em se tratando da obra de Machado de Assis e, que entendo, acontece apenas nos meios acadêmicos. É aquele onde o autor, desde uma perspectiva e época que remonta o Rio de Janeiro, entre o final do segundo reinado e início da República Velha, dialoga com os meandros e espaços culturais, políticos, filosóficos e religiosos. E penetra na alma de seus personagens estando estes inseridos em cada um destes contextos, os quais se constituem, por assim dizer em seus focos narrativos. Não conhecer Machado de Assis a partir de sua obra tal qual ela foi produzida. É um sintoma sério de perda de habilidade em narrar ou contar uma história. E a modernidade tem produzido este tipo de deformidade em nossa sociedade.

     De uma maneira bastante sintética, imaginação e vocabulário são condições imprescindíveis para todo e qualquer escritor assim como para todo e qualquer leitor. São elementos fundamentais para a construção de qualquer tipo de narrativa. É também por onde nos damos conta de nossa condição de seres humanos e de como nossas experiências carregadas de paradoxos se transmitem às gerações futuras. O código língua portuguesa é um conjunto de signos mediados por um sistema convencional e que pertence a um grupo de indivíduos. É preciso então, compreender o processo que acontece mediante a materialização das palavras utilizadas na construção de discursos e, assim, expor pensamentos e opiniões. Foi exatamente isto, no caso específico de Machado de Assis, que aconteceu para que ele produzisse uma obra volumosa e de qualidade.










     

     

       

     

     

     



     
      


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